De uns tempos para cá, tenho lembrado constantemente do Wall-E. O meu fascínio pela animação, já em alta conta no período, aumentou ainda mais. Acontece que minha análise adentrou um pouco o universo em que a narrativa se circunscreve, um tanto pelo que tenho visto sobre o futuro nos últimos dias, mas sem dúvida também pelo excelente trabalho que a Pixar fez. É bom lembrar que à época lá estava Steve Jobs a inspirá-los.
Wall-E, o simpático robozinho, é um personagem incrível, e sua relevância dentro da trama acaba ofuscando em parte o universo que ele revela do que nós, humanos, nos tornamos. Estamos todos em uma nave, sem direção, destinados a vagar eternamente pelo espaço. O propósito de retorno à Terra é apenas uma ilusão, uma utopia já que o planeta nunca se regenerará e, mesmo que o faça, os próprios Humanos não estão preparados para habitá-la. Cabe à maquina restringir qualquer tentativa de tirar a nave do curso.
Pode parecer um futuro sombrio, mas muito deste tempo já está entre nós. Basta pensar como funciona a nossa sociedade. Estamos geralmente alocados em um pequeno nicho do mercado e nele temos um poder apenas ilusório. Atuamos conforme as regras determinadas antes de nós e temos que nos adaptar para poder fazer parte. O que foi feito antes e o que está sendo feito agora nos obriga a acompanhar o “mercado”, este ser ao mesmo tempo ilusório e real. A nave já estava em movimento quando você chegou.
Não existem poderes absolutos, até presidentes de grandes empresas caem se não correspondem ao que se espera deles. Será que estes CEO’s super poderosos realmente determinam o fracasso ou o sucesso de uma empresa? Difícil dizer. O poder real das lideranças há tempos é questionado, e talvez elas sejam apenas relativas num mundo cada vez mais automatizado e complexo. É impossível entender e atuar em todas as cadeias de uma empresa, de uma cidade, de um país. Lembra do capitão da nave? Justamente.
Uma estratégia de marketing pode parecer fantástica, mas se o operário não colocar o parafuso no lugar certo, o varejista não vender, a faxineira não limpar e a policia não coibir, a sua estratégia não valerá em nada. E mesmo o tal fora da “caixinha” é apenas uma variante dentro da trajetória. Tudo compõe a engrenagem da nave espacial. E para onde ela está indo? O livre arbítrio em um mundo onde não se compreende todas as variáveis é uma ilusão. Não se sabe porque se chegou a questão e a decisão muitas vezes já foi tomada antes mesmo da pergunta, afinal a lógica do mercado demanda respostas já prontas. Por isto, o Capitão da nave pode acordar depois do meio-dia, só não pode de deixar de dar as notícias diárias para os tripulantes. Ele não precisa tomar decisões, mas precisa parecer que está à frente da nave.
Vivemos em uma sociedade supostamente democrática em um sistema capitalista liberal. A democracia é o objetivo final, mas que nunca chegará. No fundo é apenas uma desculpa para ir para os próximos objetivos, o Iraque da vez. Sempre buscando pequenos objetivos para parecer que há uma razão. E discussões são feitas e refeitas em torno do pequeno objetivo imediato, mas tudo faz parte de uma lógica de expansão constante, exponencial e sem limites. Por coincidência, o nome da nave chama-se Axiom.
Será que não podemos ser senhores de nossas vidas? Creio que sim e Andrew Stanton, diretor da animação, também parece achar. Quando o Capitão enfrenta a máquina, mostra que podemos sim tomar as rédeas das nossas vidas. Mas o “sistema” parece sempre lutar contra nossas decisões que saem da lógica. No fundo, principalmente quem quer criar, está sempre lutando para emergir e modificar os paradigmas que estamos submetidos. Mas o mais interessante é que ela em seguida costuma deglutir o novo padrão e se torna a nova lógica. Será que realmente podemos recolonizar a Terra?
A resposta , e é aí que retornamos ao simpático personagem, é Wall-E. A sua humanidade é que inverte a lógica e inspira o Capitão ao seu retorno à Terra. No fundo, talvez seja disto que realmente precisamos: ir além das engrenagens, olhar com empatia ao próximo. Retornar à nossa simplicidade, à terra, aos pequenos hábitos. Plantar uma semente. Mas será que estamos prontos para enfrentar o “Axioma”?
Bogado Lins