A poesia está em todos os cantos. Uma notícia de jornal relata a história de uma menina que está há dezessete anos num estado vegetativo e que, antes de sofrer o acidente, alertou que gostaria de ser desligada do mundo. Hoje, seu pai luta pela vontade pretérita da filha. É simplesmente tão poético que, se fosse um filme, achariam a história forçada, e há inúmeras situações da vida que, se não fossem verdade, seriam má ficção. Pois é, do verbo ser, a vida é por demais fantástica. E os realismos fantásticos da ficção, seja no cinema, seja na literatura , são como documentos deste improviso rítmico que é a vida. Garcia Marques apenas deu uma forma para um conteúdo que foi a sua história. Minha avó tinha uma gravura de Vadinho em casa e já escutei dizer que Quincas Berro D’água era, na verdade, cearense, ou alagoano, não estou muito certo. A bem da verdade, tudo é apenas a forma como você descreve.
Literatura é sempre uma operação matemática imperfeita de uma coletividade em busca de expressão. Ela não é, não pode ser individual, porque senão não seria lida, mas tampouco é o senso comum, pois então seria mero jornalismo. Somas de histórias, multiplicação de experiências, divisão de papéis e subtração do excesso. Isto sem contar os logaritmos e outras operações mais complexas. A vida é simples demais, complicada é a sua experiência, e, por isso, é difícil vivê-la através das palavras.
Quando menos se espera, tudo é diferente. E o passado serve apenas como uma forma de você pensar que tudo continua sendo como foi. Por isso, olhamos para o relógio, por isso lemos o jornal, por isso tomamos café, por isso constituímos nossas rotinas. Ao mesmo tempo em que as criamos, elas nos criam. E “ser” humano é apenas um mapa que vai se desenhando dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, criando este personagem que é o ator principal , e agora tem até página na internet.
Mas o jornal, a internet e as andanças pelas ruas, avenidas e marginais alertam que não existe um papel principal. Existe apenas o verbo, que se conjuga em diferentes formas em cada um, a cada momento. Existe o momento e isto é indubitável. Existe também a dúvida, mas ela é simples demais. Existe o existir, ele está em todos os cantos onde existam homens e mulheres pensando sobre o que é ser isto o que somos, seja lá o que isto for. Existe o riso, para rir disto tudo.
Eu rio, logo existo, fluindo por esta maré que me conduz até o mar. Um dia vou chegar, sertão.Existe esta retroalimentação de ir e vir, voltar. Mas nunca se chega.
E todo ponto final é apenas uma pausa.
Esta crônica faz parte do livro Literatura Cotidiana, lançado em 2011
2 Comentários. Deixe novo
Sábias palavras, amigo, sobre a ficção que é indispensável à rotina, só não estou segura quanto ao papel da literatura nisso tudo.
Creio que a literatura possa ter essa função de revelar o extraordinário da realidade. Obrigado pelo comentário!