Eu assisti Entredentes. Eu assisti Entredentes. Eu assisti Entredentes. A primeira repetição gera estranhamento, já a segunda parece criar um retorno. É como se um eco instaurasse a dúvida, o pensamento, o mistério. Porém a repetição de si mesmo, gera a resposta, Nietzsche já havia enunciado. Uma vezes um, depois de muito tempo, dá dois.
Entredentes é um diálogo, daqueles que lembram as antigas filosofias, quando Platão dialogava com seus supostos interlocutores, que serviam para ele poder expor o seu melhor pensamento. Um diálogo entre um personagem de Ney e alguém que lhe respondeu, no caso, Edi Botelho. A dialogia começa no espaço, talvez em um ambiente alheio a existência, entre o coma de Ney e as questões mais essenciais da humanidade, até que em determinado momento chega à Terra. E, não apenas à Terra, mas em um local talvez que resuma o embate humano com ele mesmo: o muro das lamentações.
Porém, o antagonismo é falso, serve apenas como pano de fundo para se afundar ainda mais no enredo, e em questões mais desafiadoras. Sexo, drogas, filosofia, Rock and Roll, guerras, doenças, loucuras, sentimentos,teatro, política e, por que não? Brasil. Não está claro se Ney é personagem ou protagonista. A dramaturgia alterna entre o retorno de Ney das profundezas de si mesmo e o texto de Gerald Thomas. O texto de Gerald Thomas. O texto de Gerald Thomas.
Em determinado momento, a peça sai definitivamente de Ney e chega em Gerald. Na verdade há uma oscilação constante entre um e outro, sem saber exatamente quando começa a alternância, ponto positivo, aliás, da dramaturgia.E apesar da repetição de si mesmo, Gerald Thomas é muito bom. A conexão que estabelece entre suas referências é sempre um caminho, seja para o pensamento, seja para o puro humor. Na maior parte das vezes, sem dúvida sem função alguma, pelo puro entretenimento intelectual. Porém, o ponto positivo também é negativo. Quando finalmente Gerald se destaca, e subitamente entra em cena na figura de uma portuguesa, de alguma forma o texto sai do ápice e parece reverberar os textos e subtextos do autor.
Como autor, Gerald dá a impressão de ecoar a si mesmo, como Woody Allen, que inventou um caminho e se situa nele com alternâncias, talvez conforme seu humor na ocasião. O que é bom, pois estilo não é simplesmente um método, é sobretudo um caminho. Veja bem, talvez seja minha pura ignorância, pela primeira vez assisto-o em um teatro, mas durante anos li suas crônicas em um jornal do Rio. Os temas, também recorrentes em sua escrita, parecem se transfigurar em cena na sua peça e justamente quando fica nítido que trata-se de Gerald Thomas, o brilhantismo da loucura parece entrar em um cacoete de autor. Porém, o hermetismo dos autores, incluso da portuga, mantém o enredo em alto nível.
De fato, a repetição é o que instaura o cotidiano, mas também a loucura, comum a todos nós. Questões que ora nos deparamos, ora nos escondemos em nossos subterfúgios do dia-a-dia. O enredo é pessoal a cada um, nossas referências pessoais. Em outras palavras, para quem assistiu ou vai assistir, cada um tem a Ucrânia e o Brasil que merece, mas o importante é que quem olha durante muito tempo para o abismo, em algum momento, ele olhará de volta. Não há escapatória, não há retorno. O abismo mais estreito é o mais difícil de transpor. E Entredentes valeu sobretudo pelo abismo de Ney, principalmente como protagonista.
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