Acho que o sujeito já pode ser considerando de idade quando começa a ter pensamentos saudosos sobre uma época que não existe mais. Bom, se esta é a definição, então eu sou um deles. Não parece, mas quem exibe seus 28 anos já tem alguma coisas para se “lembrar”.
Lembro-me, por exemplo, de ir e até a banca de jornais para comprar figurinhas e o jornaleiro, um gordo de bigode, mal-educado, consultar a bendita tabela. Todos os dias as editoras mandavam estas impressões plastificadas com as atualizações de preço de seus produtos, devido à inflação nossa de cada dia. Eu mesmo pensava que a inflação era uma condição, algo que nunca iria realmente mudar. Nem sabia que era coisa exclusiva de país pobre. Quando descobri, praticamente veio o real e, com ele, a desconfiança de uma moeda que só tinha bicho e não gente de verdade, e valia o mesmo que o dólar. De tão bom, não poderia durar.
Ainda nesta época, utilizávamos fichas para fazer ligações nos orelhões, cada vez mais raros. Havia filas para utilizá-los, já que simplesmente quase não existiam celulares. Quase não se usavam ligações a cobrar, lembro-me de utilizar esse serviço apenas depois da criação do tal cartãozinho. Raramente enchiam o nosso saco com a bendita musiquinha. Nota: praticamente não havia telemarketing nestes idos tempos.
Posso dizer inclusive que passei por duas gerações de mídias de áudio. A primeira, na minha tenra infância, com walkmans e os rádios de pilhas gigantes que os suburbanos de cores variadas exibiam nos ônibus cheios a caminho da praia. Depois, veio a vez dos disc players que, durante bons anos, eram alvos dos assaltantes pelo seu preço razoavelmente elevado. Na época, cuidava de um como se fosse um filho, trazido do estrangeiro pelo meu pai. Hoje, sequer avisto um no metrô.
Os videogames, então, tornam-se obsoletos rapidamente. Eu poderia me considerar uma criança rica na minha rua. Tinha um Super Nintendo! Antes disto, tinha um tal de Phantom System, que logo foi suplantado pelo Mega Drive, que tinha o Sonic , e o Nintedo, do simpático Mario. O Pac Man não comia mais ninguém.
Os nerds nesta época eram um bando de babacas mesmo. Hoje, quem diria, mandam no mundo e conquistam as mais gatas. Eu mesmo, meio esquisitão, distanciei-me ao máximo da imagem de estudioso, CDF, para não cair nesta laia. Como solução, entrei no Grêmio Estudantil, que aliás, era uma boa forma de matar aula com condescendência das autoridades vigentes – os inspetores escolares, no caso. Fora isto, tirei meu atraso de anos, e dei meu primeiro beijo na boca na famosa festa CPII Atitude no Monte Líbano, que tocava funks, cujas letras e músicas não poderiam existir piores para mim. Mais tarde, descobri que estava errado. Eu tinha treze anos de idade.
Aliás, nossa época era cheia de perigos iminentes, vivíamos nos anos 90 do Rio de Janeiro, período em que se passa o primeiro Tropa de Elite, o que não nos impedia de ir até o colégio sozinhos. Nosso ponto de ônibus era apinhado de crianças e adolescentes dos nove aos dezoito anos, aguardando os ônibus para suas respectivas casas. Desde a quarta série, com meus nove anos, já pegava ônibus para a escola, primeiramente na Urca. Hoje, vejo mães com receio de seus filhos de dezesseis saírem sozinhos.
E a escola, bem, era tudo no quadro-negro. Tínhamos que escrever o dia inteiro com lápis e caneta. Sequer havia computadores na escola para uso dos alunos. Acho que nem a diretoria os possuía. Contas e mais contas no punho e isto sem contar o esquadro, o compasso e a régua. Algumas provas eram na folha de papel almaço. A régua servia para fazer o cabeçalho. Quem diria…
Era uma época em que gostávamos de nos fazer de malandros. A camisa do Colégio Pedro II, por exemplo, servia para pegar o ônibus de graça, fosse para o cinema, passear ou fazer qualquer outra coisa que não tomar cerveja. Mas, se dessem cerva de graça, éramos capazes de colocar as vestimentas só para não pagar o porre. Próximos de completar o colégio, durante boa parte dos últimos três anos, fazíamos “campanhas”de formatura para juntar uma grana e nos formar no cinema ou mesmo em algum boteco. Mais desta vida desonesta e poderíamos até nos tornar políticos, já que alguns de nós conheceram o seu início pela prática no movimento estudantil. Talvez por azar, acabei me desvirtuando e tornando-me honesto e completamente avesso a estas coisas.
As meninas então eram bem bonitas, com suas saias de colegial. Aglomeravam-se próximas a uma rua anexa ao colégio para se fazer de bad girls, e dar uns tragos em cigarros Derby, Marlboro e Hollywood. Eu, por outro lado, era avesso a cigarros convencionais e ficava vendo tudo aquilo de longe, não entendendo para que tanto. Elas não me davam bola, preferiam os meninos mais velhos, enquanto eu queria as mais velhas. Hoje sinto saudades da tal saia colegial e fico pensando se talvez poderia ter aproveitado mais as belas meninas do colégio.
Eram bons tempos aqueles do ônibus 584, da Festinha Atitude e das subidas e saídas pela rua João Affonso. Bons tempos aqueles de ontem.