Julio Cortazar escreveu um conto chamado HISTÓRIAS QUE ME CONTO. Eu , quando narro uma história, me dirijo a alguém, preciso de um interlocutor, um ouvido atento mesmo que imaginário.
Já resolvi muitas coisas na minha vida contando histórias para o Chico e o Caetano, para o Glauber Rocha, para o próprio Cortazar, para a minha avó já falecida, ou então pessoas desconhecidas que podem, acho eu, desperdiçar alguns momentos da sua caminhada solitária por uma rua central ouvindo uma queixa, um bordão, um poema, uma história que rolava pela minha cabeça naquele momento.
Se uma mulher muito magra, com um lenço estranho oncinha em forma de cone na cabeça passa por mim, sigo-a com a mente , interajo, ouço sua voz e conto coisas, deliro com suas mágoas. Um segundo depois , ela desaparece entre vitrines.
Uma janela como essas que ficam abertas para o Minhocão, esse misto de decadência e modernidade, TV a cabo e computadores dentro de prédios antigos, de uma época de ouro anterior ao viaduto, me faz ver formas híbridas de vida. Ali falo com personagem amorfos, ariscos, que infernizam a vida dos cortiços, procuro o contato, conto histórias para as crianças, me dirijo a donas de casas castigadas pelo trabalho e pelo tempo.
Como ouvinte, às vezes um tanto desligado, às vezes muito exigente, oscilo para poder divagar. De um tempo para cá, o que leio é freqüentemente atropelado pelo que imagino. Aí dou o troco e passo a narrador, como uma vingança peloto tempo como leitor voraz , uma esponja mental, acumulando temas e personagens. Agora procuro me libertar deles e me inspiro em quem está em volta. Essa convivência entre os que vieram e os que estão sendo criados agora não deve ser muito pacífica, mas acho que vale a pena tentar.
Ultimamente, algumas pessoas tem aceitado ouvir o que tenho a dizer. Balbuciante, sigo em frente, tropeço em frases mal construídas, brigo com concordâncias, compenso com alguma dose de originalidade. Nem sempre tenho sucesso, mas é a única forma de passar adiante certos fantasmas sem permitir que eles me dominem completamente, mantendo-os perto de mim. E, numa via de mão dupla, é possível que esse ouvinte de carne e osso tenha alguma boa história para me contar.
João Knijnik é escritor, roteirista e professor de História do Cinema