Nem sempre me manifesto sobre mortes, aliás tenho preferido não fazê-lo. O assunto é delicado e se você não tem algo útil a dizer, o melhor é ficar quieto. Robin Williams morreu e apesar da minha admiração, fiquei na minha. Ariano também. Rubem Alves nem poderia, apesar de sua fama literária provavelmente justificada, li apenas supostos trechos de sua obra pela internet nas mensagens de auto-ajuda facebookianas.
Já com Eduardo Campos, resolvi tocar no assunto. Eu estava inclinado a votar nele. Mas não é por isso que escrevo este texto. Aliás, o mais provável é que nos próximos quatro anos não soubesse se sua escolha tivesse sido acertada, afinal pelas pesquisas sua candidatura não tinha chances nem para o segundo turno. Até o momento tudo indica que a presidente se reeleja. Porém, creio que a notícia é mais que um falecimento de uma pessoa célebre, como dos escritores citados, ela está diretamente ligado ao futuro do Brasil. E como cronista que ainda mantêm algum ranço de analista político provindo da minha formação como cientista social, considero legitima minha abordagem do assunto.
Antes de tudo é “engraçado” que tenha morrido no mesmo dia do que seu avô, ele mesmo ex-governador de Pernambuco. Parece uma dessas coincidências que a gente acharia forçada se aparecesse na novela das 9. Mas a coincidência em si, fora o drama, pouco importa de maneira prática. A ironia maior talvez esteja relacionada a causa do falecimento. O avião caído lembrou-me instantaneamente o aeroporto do candidato rival, causa de uma queda conceitual da candidatura de Aécio. Outra bobagem porém, sem qualquer valor literário ou político.
Passada essas coincidências relacionadas aos grandes acontecimentos que movem o mundo, o motivo do texto não é tanto falar sobre o passado, mas do futuro.Quais são as implicações da morte de Eduardo Campos para a política brasileira? Logo após o falecimento, houveram já algumas pessoas pensando em sabotagem do PT. Sem dúvida, algo que influenciaria muito as eleições, principalmente se descoberto o complô. Lembrando do assassinato de Celso Dantas, o fato realmente é crível . Porém, arrisco dizer que o PT tem muito mais a perder com a morte do candidato. Explico-me: qual era a candidata que alcançou a votação expressiva de 20% do eleitorado na última eleição? Marina, vice do Eduardo.
Ao PT não interessaria nem um pouco o risco de Marina sair como candidata diretamente. A candidata tem carisma e presença política, um currículo invejável e ainda por cima representa uma alternativa real para quem deseja mudanças, uma parcela significativa da população, como foi indicado nas passeatas em um passado recente. Aliás, a única razão que Marina não foi ela mesma candidata foi que em 2013 o TSE negou a criação do seu partido, a Rede, por motivos até plausíveis, porém contrastantes com a boa vontade que o mesmo órgão teve com o PSD de Kassab em 2011, algo que indica que houve razões políticas para conter a ascensão de Marina nas atuais eleições. Possivelmente, Marina contaria com mais votos hoje do que o Próprio Eduardo Campos.
É notório que o alinhamento ao candidato, ainda que possa vir a ter pautas em comum, foi uma estratégia política. De um lado angariar votos para Eduardo, de outro permitir à candidata participar de maneira mais ativa das próximas eleições, como vice, visando um projeto de terceira via de poder. Porém, desde o início o alinhamento não foi tão “sustentável” quanto poderia se supor. Aliás, o mesmo Jornal Nacional que exibiu lindas palavras do candidato após seu falecimento, serviu para lembrar durante a verdadeira sabatina política que Bonner e sua equipe realizaram com o candidato que o PSB e Marina se posicionam de forma diametralmente em muitos assuntos. Particularmente sobre o agronegócio, apenas dois deputados do seu partido votaram contra a aprovação do Código Florestal segundo o Jornal Nacional. Enquanto Marina representa uma “esquerda” que deseja ampliar a sustentabilidade a qualquer custo, inclusive o econômico, o PSB tem um posicionamento mais tradicional sobre esta e outras pautas.
Portanto, o futuro da candidatura do PSB não é tão simples quanto parece. Algumas possibilidades surgem no cenário político. Luisa Erundina é uma delas. Outra alternativa é uma mudança da coligação apoiando um candidato de outra sigla, como Cristovam Buarque, inclusive já citados por analistas. Eu ainda incluiria Roberto Freire nesta hipótese. Mesmo que a popularidade de Marina pese a favor e ela de fato seja a candidata, ao menos um novo vice terá que surgir, e sem dúvida esses nomes, e ainda outros, podem compor uma nova chapa que atrairia a simpatia de uma esquerda carente de opções.
Eduardo Campos é um nome que agradava parte do empresariado, inclusive aquele que tendia a Aécio Neves. Esses nomes talvez causem alguma rejeição a eles. Ganha-se de um lado, perde-se de outro. O certo, porém, é que empresário não ganha eleição como o passado costuma nos mostrar e a insatisfação do brasileiro com a política pode ganhar corpo com a nova chapa. É bom lembrar que cerca de 13% declarou voto branco/nulo e que outros 14% ainda estão indecisos, segundo a última pesquisa do Ibope em 7 de agosto. São incríveis 27% que neste novo cenário político podem desequilibrar as eleições. Metade disso empataria tecnicamente Aécio à Dilma. E isso não é tudo, é bom lembrar que parte do eleitorado da Dilma tem um DNA essencialmente de esquerda, e votaria nela somente para conter um retorno do PSDB ao poder. O próprio Aécio talvez perca alguns votos, considerando que muitos também votariam nele simplesmente para interromper a continuidade do PT no governo. Talvez com um novo candidato, uma parcela significativa da população migre seu voto.
O Eduardo, ele mesmo uma outrora esperança de uma reviravolta no atual deserto político brasileiro, com todo o pesar que a constatação tenha pela perda humana, sempre irreparável, talvez com seu falecimento contribua ainda mais para um novo cenário. Seria impensável uma candidatura de Marina antes deste fato, menos ainda de alguns dos nomes mencionados. Quem sabe com essa reviravolta finalmente contaremos com uma alternativa viável para o segundo turno? Quem sabe há uma esperança para o Brasil além de petistas e tucanos?
Bogado Lins é escritor, roteirista, cientista social formado pela UERJ e articulador do Literatura Cotidiana