São Paulo é uma típica cidade sobre cidades. Uma cidade do século XXI, onde não existem horizontes fora a própria cidade. Uma cidade formada por um pouco do mundo. Italianos, polacos, japoneses, chineses, argentinos e, em meio a tudo isto, até paulistas dividem entre si o condomínio da Grande São Paulo.
Talvez seja possível, com algum esforço, traçar os diversos tipos paulistanos. Eu diria que há aproximadamente vinte milhões deles, que vão desde os nordestinos das periferias mais longínquas da mais capital das capitais, até aquele baiano que mora ali no Bexiga, ou o coreano da Liberdade.
Uma cidade brasileira. O tal sotaque paulista está perdido no meio de dialetos nordestinos, chiados cariocas, sussurros mineiros, entre outras línguas que se enroscam nas baladas da capital. Uma noite que não acaba até a próxima noite, e a próxima, e a próxima. Uma cidade 24 horas no ar, sem botão para desligar. Engarrafamentos em plena meia-noite na Brigadeiro e o trânsito infinito de pessoas e carros na Paulista.
A Nova York do hemisfério sul está de portas abertas para abrigar os irmãos desamparados. As solidões se comunicam e trocam um minuto de afeto nas ruas de São Paulo. Há todos os tipos de problemas e um pouco de solução para tudo. Problemas financeiros, sexuais, familiares, traumáticos, de segurança, de espiritualidade, de fome. Ligue e ganhe grátis uma pizza feita em forno a lenha. Há diversas soluções para tudo, até mesmo para a morte. São Paulo, depois de 450 e tantos anos, foi descoberta ali, entre um negócio fechado e outro a se concretizar.
Dizem que São Paulo é antiga, mas não é não. Talvez seja a capital mais nova de todo o Brasil. O centro antigo nem é tanto assim, foi erguido no primeiro e único surto urbanizador no começo do século. Depois, tudo foi consequência do primeiro e São Paulo se tornou a primeira capital provinciana, trocando o antigo pelo novo. Coisa de paulista. A tal Avenida tem lá seus 100 anos, mas todos os seus prédios, em sua maioria, tem menos que isto. O bonde foi trocado no início e no final do filme pelo ônibus elétrico, o chifrudo. São Paulo Sociedade Anônima.
A cultura de todo o país também descobriu São Paulo, em um processo natural, como o rio desemboca no mar. A cidade dos artistas que vivem da arte e para a arte. São Paulo do modernismo e do redescobrimento do Brasil. São Paulo de Mário de Andrade e Oswald de Andrade de São Paulo. O teatro brasileiro em sua melhor montagem está por ali, entre um teatro e algum Sesc. O MASP reforça nossos anseios de primeiro mundo, tendo um pouco do melhor de lá, junto ao melhor daqui. Hoje, tem até cultura na periferia com os recém inaugurados CEU’s. Os atores cariocas que me perdoem, mas São Paulo é fundamental.
São Paulo é também toda a pobreza ao seu redor. Um oásis junto ao deserto capitalista de milhões de excluídos, querendo nada mais do que servir àqueles que podem pagar. Então, já que ninguém contrata… São Paulo do desemprego, São Paulo da violência. O campeão nas estatísticas é também o campeão dos pequenos e grandes dramas cotidianos das vítimas da violência da grande metrópole. Todo dia é dia de se esquecer na capital do drama. São Paulo campeã brasileira do consumo de drogas, legais e ilegais.
São Paulo dos problemas de uns e das soluções de outros. Tudo é apenas o começo do que está para vir, foi sempre assim na capital. São Paulo do amanhã. A esperança veio de lá, junto com o medo. Resta ao tempo dizer o que está para vir.
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana