O sonho de todo paulistano é fugir da loucura da cidade e se mandar para Ubatuba, arrendar uma pousada e ficar o resto da vida olhando o mar. Eu que sou muito urbano tive a oportunidade de vivenciar esta fuga da cidade por apenas uma tarde. Um trabalho no litoral me fez descer a serra pela manhã, resolver todos os assuntos até a hora do almoço e às três horas eu já estava sentado numa toalha na areia olhando o mar, prevendo retornar para Sampa assim que anoitecesse.
Um mergulho, uma cerveja, uma caminhada, uma soneca. Decidi que iria naquele dia calmo, nem muito quente nem muito frio, pensar na minha vida, pensar no mundo, no universo, tomar decisões importantes e cruciais que decidiriam novos rumos. Uma voz ecoou dentro de mim: Rapaz, quem tu és? O que queres? Qual a tua missão aqui neste mundo?
Essas questões duraram alguns minutos e logo eu comecei a pensar em sexo. Fui visitado por algumas atrizes e modelos conhecidas desde Ava Gardner até Valesca Popozuda. Com algumas a relação foi selvagem , animal, pura pele, toque, carne. Com outras troquei carícias agradáveis, tomei drinks , disse palavras espirituosas que encantaram estas belas mulheres com minha inteligência e sex-appeal.
Então apareceu uma criança. Era uma menina com olhar maduro, boca bem vermelha, que me hipnotizou e tocou minha mão. Fiquei sensibilizado, mas deixei bem claro que não estava nos meus planos me envolver com uma pessoa, por mais interessante que ela fosse, que ainda brincava de boneca. Ela sorriu desdenhando da minha idéia. Falou que queria me namorar, que mesmo sendo muito jovem sabia agradar um homem. Então eu sugeri que ela ganhasse alguns anos, não precisava ser muitos. E foi o que aconteceu. Em poucos minutos, ela já tinha 20 anos, o cabelo loiro ficou mais escuro, o rosto se alongou, vieram seios bem redondos. A idade avançava. Na altura dos 35 anos, eu pedi que ela parasse, que esta idade já bastava. Uma ruga quebrou por baixo do olho, o sorriso também já dava outro desenho para a boca. Ela me beijou com vontade e ficou me olhando com ternura. Acariciei seu rosto, seu colo. Nos abraçamos. O sol já começava a descer lentamente. Depois caminhamos pelas pedras subindo um morro e ali, numa curva, nos perdemos. Ela foi embora assim como chegou: de repente.
Um pouco depois, surgiu outra mulher, bem mais velha, de 70 anos ou mais. O cabelo branco ainda estava pintado nas pontas, existiam rugas bem marcadas pelo rosto, braços finos contrastavam com a cintura arredondada, mas o ar era de uma mulher madura e determinada. Percebi que ela já tinha sido muito bonita e isso não fazia muito tempo. Ela pegou minha mão e acariciou a palma com as unhas compridas. Senti os dedos enrugados e a pele flácida abaixo dos pulsos. Ela me beijou na testa, com um carinho febril. Fui claro com ela também: falei que só me sentia atraído por mulheres da minha idade e que seria muito difícil continuar aquele affair. Ela sugeriu então que eu envelhecesse e foi o que aconteceu. Meus cabelos foram rareando em questão de minutos, a cintura aumentou, fiquei com olheiras profundas e manchas na pele. Ela veio e me beijou na boca com uma certa agressividade, cravou as unhas nas minhas costas, mordeu meu peito, me dominou sobre a toalha até ver que eu não oferecia, ou não queria oferecer resistência. Depois ficamos abraçados, sem muito o que dizer. Assistimos juntos o por do sol e eu decidi mergulhar no mar frio pela última vez.
Na volta à praia a menina de 10 anos veio buscar a minha amante idosa e eu vi as duas se distanciando. A senhora ainda tentou olhar para trás e se despedir de mim, mas a menina parecia impaciente, puxando a avó porque já havia anoitecido, era preciso voltar para casa. Me enrolei na toalha tiritando de frio. Retornei à minha idade, pensei em procurar um hotel e dormir por ali mesmo. São Paulo, as decisões que eu não tinha tomado, as minhas preocupações; podiam esperar. A tarde tinha sido muito agitada e eu precisava descansar um pouco.
João Kniknik é escritor, roteirista e professor de História do Cinema