Ontem foi uma ocasião especial, tive o prazer de conhecer de perto uma criatura da floresta. Esta pessoa já fazia parte da minha vida, porém até então conhecia sua fama apenas de longe, através de uma reverência particular.
Trouxe para nós do Acre – uma terra de índios, seringueiros e aventureiros em busca de terras e dotes da floresta – uma riqueza diferente. A partir deste repertório mágico de pajés e guerreiros, desenvolveu encantamentos que ganharam o mundo e que ajudaram a popularizar um Brasil até então distante. Trata-se na minha modesta opinião, da pessoa mais importante deste Estado encravado no meio da Amazônia. Sem dúvida, por si só justifica cada centavo gasto na compra deste território da Bolívia em um passado remoto.
A minha solenidade e reverência a respeito dele neste texto, pode insinuar que o sujeito se revista de alguma aura especial e distante. Nada mais longe da verdade. Uma pessoa simples e de sorriso fácil. Talvez por isso se comunique melhor através da linguagem universal: a música.
Ontem, nesta dita ocasião especial, conheci pela primeira vez João Donato que celebrou conosco 80 anos de vida e nos presenteou com uma amostra de sua música. O repertório não poderia ser mais simbólico, uma verdadeira misturas de cores, sabores e sonoridades : rãs, Bananeiras, Emoriôs e sucos de maracujás.
Um breve parágrafo. É preciso contextualizar João Donato. A Amazônia em si, nunca deixará de ser tema para literatura, música, poesia e a expressão artística que for. Porém, esta Amazônia de João Donato é diferente. Parece que ele desvendou ela de cabo a rabo e nos trouxe boas notícias. Um guia que transforma seus mistérios, perigos e complexidades em sombra, suco de maracujá e água fresca num passeio de barco pelo rio.
Não à toa, João Donato ajudou a criar a Bossa Nova. Uma música simples para ouvir e complexa para se fazer. As frivolidades e cotidianices que lhe servem como temas escondem sua heterogeneidade. O músico é praticamente um concierge que traduz harmonias complexas em sonoridades fáceis para seu público. Porém, mesmo a bossa nova não era suficiente para Donato. Ao emigrar para os Estados Unidos, participou ao lado de Tito Puente, Johnny Martines e outros músicos de igual importância, da formação do movimento de Latin Jazz, estilo que de alguma forma consegue abranger um pouco do melhor que Donato compôs.
E o show que tive oportunidade de ver no Sesc Vila Mariana foi um resumo deste João Donato, que levou sua aldeia para o mundo e trouxe algo ainda mais espetacular. Um novo ritmo que ajudou a fundar e difundir nos Estados Unidos e no mundo. Prova que a música, por estar eternamente em diálogo em tempo real, consegue realizar a dialética mais rápido que a literatura, por exemplo.
Mas como disse anteriormente, João Donato é simples, simples demais. “O Tiquinho”, chamava seu convidado com um misto de carinho e humor desprovido de ego. Aliás, seu humor é da mesma natureza que sua música, de tão espontâneo é quase desprovido de intencionalidades. Ao explicar como surgiu bananeira, lembrou que o tema surgiu quando estava em Lucca, uma cidade italiana, em temporada. Ao retornar ao Brasil e se encontrar com “os baianos”, Gil com sua doçura de sempre lhe pergunta
– como era aquela música sua: “bananeira não sei.. bananeira sei lá…
E assim , Donato responde “será no fundo do quintal”. Gil retruca “quintal do seu olhar”. E Donato imediatamente “olhar do coração..”. E assim foi batizada a canção que prontamente foi apresentada e gravada por Emílio Santiago. Até porque, segundo o próprio João Donato, “ele mesmo não teria coragem de gravar”. A plateia inteira cai na risada.
De tempos em tempos, anunciava seu novo álbum “O Bicho ta Pegando”, e mais uma vez o público gargalhava. Algumas das músicas estão incluídas no repertório do show. Ainda não adquiri o cd, mas já indico pelo seu simbolismo. Donato é provavelmente o acreano mais fantástico de todos e que você pode apreciar hoje e sempre, inclusive, pelo menos até o dia 31 de agosto, ao vivo no Sesc Vila Mariana.
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana