Eu acho que, para descrever com fidelidade certas partes do Rio, é necessário usar a primeira pessoa. Um destes lugares é o Jardim Botânico. Não poderia ser diferente, tamanha a exuberância do lugar que dá nome ao bairro. Os nomes científicos eram insuficientes para classificar a beleza de tudo aquilo, ficava o sentimento.
O Jardim Botânico, para mim, durante muito tempo, foi um bairro de passagem para outros bairros. Porém, havia um detalhe importante, sem dúvida sempre foi a passagem mais bonita. Não apenas o barato da passagem era instigante, mas a chegada. O Jardim Botânico sempre foi um caminho para os lugares mais bonitos. A passagem era sempre para o Recreio dos Bandeirantes, para a Lagoa, para o Leblon ou para a Gávea. Noites até a manhã e algumas manhãs até a noite.
Eu passei muito pelo Jardim Botânico. Uma das lembranças que tenho é meu pai falando das palmeiras plantadas por Dom João VI. Acho que nunca se tocou verdadeiramente que ele já tinha me falado sobre o assunto umas tantas vezes. Mesmo assim, tudo aquilo parecia um pouco irreal e inédito. Como alguém poderia ter plantado aquelas palmeiras algum dia? De todas, esta é a lembrança mais recorrente: as palmeiras de Dom João VI no caminho de ida, no caminho de volta. As eternas palmeiras do Jardim Botânico.
Depois de um tempo, vieram algumas festas, alguns bares e algumas novas passagens. Novas pessoas também, ou velhas mediante novos olhares. Meu avô, por exemplo, depois anos seguidos em Copacabana, o bairro da terceira idade, mudou-se para um velho lugar, o Jardim Botânico. Ali na Nina Rodrigues, pertinho das palmeiras de Dom João VI. Então, a passagem para outros lugares passou a passar por sua casa e, tal qual a cacofonia, aquela parada sempre parecia uma perda de tempo. Hoje, quando ele já está surdo e quase cego, não é mais perda de nada, é um outro lugar de passagem de minhas lembranças.
Lembrança é uma coisa que só passa, caso contrário não se teria tempo para se fazerem outras novas. As pessoas e lugares também são sempre novos, mesmo conhecidos há tempo. A última impressão é sempre a que fica. Quando estamos lá pensando que alguém é o que é, já nem é mais. Nada é de fato, apenas está. Minha avó, por exemplo, não está mais na Gávea, a outra já se foi do Recreio há tempos e talvez em breve meu avô também não mais esteja.
Quando conheci a Robertinha, o Jardim Botânico passou também a ser casa de uma amiga. Depois, não foi mais, tinha ido a Ouro Preto e deixado saudades. Voltou faz algum tempo, mas agora sou eu que passei a viver em São Paulo com direito a filho e tudo. Mas as lembranças estão todas lá, na passagem de um lugar para o outro, umas com ciúmes das outras. Tem lembranças que parece que vieram para ficar, até chegar outras, até que de repente volta aquela outra, que parecia esquecida.
Assim, às vezes, são as ruas, assim, às vezes, são os amigos e familiares e também assim é a própria vida.
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana