Na ânsia de falar alguma coisa, nem que seja apenas uma opinião sobre a o jeito dela, a cor do carpete, um artigo de jornal; as palavras me fogem. Hoje acordei assim. Sem mais nem menos, tudo me escapa. Acho muitas coisas sobre tudo, mas não sei como dizer, o que dizer, porque dizer. Fico à deriva e apenas abro a boca, com uma expressão um tanto idiota. Ela me acaricia o rosto, dá um beijo suave no meu cabelo. Pede calma que tudo vai dar certo.
A tela do computador é mais uma metáfora, tão vazia quanto a folha em branco que sempre atormenta aos que escrevem. Um notário não tem esse problema: apenas copia longamente. Na falta do que escrever, reproduzo um poema e assino como fosse meu. Ela balança a cabeça, diz que não pode ser assim, de todo jeito sua voz flui entre as rimas, enfrentando as consoantes com leveza.
Resolvo caminhar, dar uma volta no quarteirão. Me sinto um saco de ossos mal calibrados. Ando sem prumo, desengonçado, as mãos soltas. Ela sorri e me chama, pedindo atenção. Eu vagueio por um território com harpas agudas tocando, respondo qualquer coisa, um aceno de mão, nem sei para que. Vejo farpas nas madeiras, pequenas agulhas despontando, melhor nem me aproximar. Ela já me olha de lado, já reconheço uma certa tensão.
Sinto um arrepio só de pensar em ter que falar com alguém, ou ler alguma crônica, tudo parece difícil. Meu cérebro vagueia desconexo. Certas expressões parecem tão vazias. Preciso ligar para alguém , conferir com o contador o imposto a pagar, procurar trabalho, terminar um trabalho e sento e penso nisso tudo junto. Permaneço sentado. Seus olhos ainda me querem, mas já existe uma ponta de desistência.
Abro jogos imbecis no computador. Sempre ele. Nem sei porque falo tanto dele. Paciência, campo minado, copas, sei lá o que mais. Paro e depois recomeço tudo. Estou repleto de pensamentos; alguns sujos , outros belos, alguns mórbidos. Será que já é hora de mudar de parágrafo? Isso importa mesmo? Ela desvia pela primeira vez o olhar, aborrecida.
Hoje eu não sirvo para nada mesmo. A tampa aberta da impressora parece uma boca ameaçadora. Não quero imprimir nada, não vou conseguir ler nem escrever. Jogo palavras sem sentido, tentando iniciar o texto: Caspa, eu? Qual o tamanho do meu medo? Que filme eu assisti a dez anos atrás? Flor do lácio, sambódromo…
Meus pensamentos me impedem de compreender a Linguagem. Ela suplica que quer me ajudar, mas eu digo que isso não é possível agora. A caixa postal está completamente lotada, Tem mensagem que já entra deletada. Ela tenta me seduzir, diz que me ama. Hoje não é um dia bom. Não tô legal, porra.
Antes do pedido de perdão pelo meu destempero, ela se afasta, magoada. Eu…
João Knijnik é escritor, roteirista e professor de história do Cinema