A arte tem o poder de influenciar estilos de vidas. Determinados avanços tecnológicos possibilitaram a popularização de tendências, comportamentos e até revoluções. A fotografia, por exemplo, mudou radicalmente a maneira de registrar a vida e a política. Primeiro disseminou as fotos de família, depois, com a simplificação do processo, suavizou o semblante familiar em sorrisos e fotos casuais, um pouco mais tarde, tornou a vida colorida. Ajudou a disseminar modas e estilos, dando um novo impulso a propaganda. Facilitaram também a distribuição das notícias ao redor do mundo, e tornaram as revoluções mais próximas. Hoje, disponível nas câmeras de celulares, em tempos egóicos, criaram as selfies.
Sua sucessora natural, o cinema, foi ainda além. Foi responsável pela disseminação de narrativas que passaram a fazer parte do homem (e da mulher) comum. Subitamente, a paixão, a aventura, o heroísmo era acessível a todos. A televisão levou esse estilo de vida diretamente para dentro de casa, rearranjando a decoração interna e virando um vendedor de porta em porta. Em outras palavras, a maneira de contar sua própria história é profundamente influenciada pelos meios artísticos disponíveis ao seu redor.
Portanto, nada mais justo que a maneira de contar a história seja o grande trunfo, a melhor sacada de “O Artista”. Eu não tenho dúvidas que as meninas das cidades, ao menos aquelas que tinham seu cineminha, sonhavam acordadas com os galãs fazendo caretas e gestos bruscos, com a legenda na tela dizendo “eu te amo”. As palavras eram desnecessárias. Aliás, só posso supor que nossos sonhos são em P&B( preto e branco) desde aquela época.
O que é mais incrível, porém, é o drama do herói. Após toda uma carreira de sucesso como protagonista de filmes, a chegada da nova tecnologia em áudio repentinamente o tira de cena. Talvez por tê-la ignorado tão logo tenha chego, talvez pela total inabilidade em “falar”, o artista se vê preso em sua própria história muda. O drama torna-se ainda mais insuportável pela incapacidade de gritar aos quatro cantos seu desespero.
Porém, o que torna o filme incrível, trágico e épico é justamente esta total conexão com a história de cada um de nós, artistas, em um tempo onde acompanhamos o crescimento exponencial das tecnologias e pensamos de que forma fazer arte em meio a elas. De alguma maneira, todos nós, artistas, estamos ultrapassados. Ficamos aqui nos reinventando cotidianamente, criando uma função transitória que nos pague o aluguel, enquanto em outros momentos nos isolamos num mítico lugar inexistente da arte pela arte. Uma existência persistente e problemática, ainda mais considerando a carência natural a todo o artista.
Mesmo assim, com um pouco de sorte, amor e criatividade, talvez no final do filme cada um de nós tenha algo a dizer ao mundo.
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana