Volta e meia, entrego-me a um dos rituais masculinos mais antigos da história: a pelada semanal. O ritual praticado entre conhecidos, e as vezes completamente desconhecidos, é um dos ritos mais complexos da humanidade. Nele é que se afirma a masculinidade através da força fisica, habilidade e velocidade.
Neste momento, muitas pessoas mostram suas verdadeiras personalidades, deixando de lado formalidades que são necessárias durante o dia a dia e a convivência. Alguns se transformam em mentirosos, dissimulando suas faltas cometidas. Outros exercem episódios de bárbarie, quebrando a perna alheia, ou através de uma agressividade verbal. Há ainda os mimados, que demonstram que ainda não se adaptaram bem à saìda da barra da saia da mãe. É, enfim, terreno fértil para se desvendar a mente masculina.
Saindo do lado individual e indo a uma abordagem mais social do assunto, podemos também verificar a formação de grupos sociais, relações e até mesmo amizades provenientes das quatro linhas. É uma oportunidade para grupos diferentes interagirem, ou mesmo se agregarem eventualmente formando grupos maiores. Isto levando-se em conta que a tendência inicial entre grupos é a competição. E é por isso mesmo que a pelada vira uma grande oportunidade: projeta-se a competição entre eles apenas para a ocasião futebolística, excluindo a necessidade de ela ser realizada em outros aspectos.
Esta instituição de entretenimento parece ser também favorável ao sedentarismo masculino e à manutenção da família. Frequentemente, verifica-se que os “peladeiros” são homens casados, trabalhadores e muitas vezes com filhos. A pelada aí funciona como um mecanismo de escape das diversas pressões do dia a dia, incluindo trabalho, filhos e, principalmente, o casamento. Por um momento, você pode ser quem realmente é: um babaca, um machão, um estrategista, um craque, um mentiroso, o dono da bola, ou seja lá quem você for. Pode-se xingar, fazer um gol, eventualmente ser o herói, ou até o vilão e, depois, se esquecer de tudo, ou mesmo lembrar, após a cervejada que recorda os diversos episódios da pelada com o grupo.
E, falando nisso, considerando-se que a pelada é uma instituição propriamente do universo masculino, não poderia, claro, faltar a cervejada depois do jogo. Esta, sim, talvez o grande propósito de todo o enredo.
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana
3 Comentários. Deixe novo
Quando eu era criança tinha um campo de futebol bem em frente à minha casa. Era do “União Faz a Força”. Até hoje, agora percebo, aquilo é que era futebol de verdade, meio assim como teatro.
Muitos “eras” nesse comentário. Não revisei. Abc.
Agradeço o comentário Tania. Feliz de vê-la por aqui. abç