A leitura de Guimarães Rosa tem me disfarçado da existência. Explico-me. Meus horários de leitura se resumem ao ir e vir da labuta. Considerando que faço o trajeto de metrô, tenho apenas o período entre uma estação e outra e a minha baldeação, totalizando oito estações e duas linhas de literatura. Multiplique isto por dois, e este será todo o tempo diário para dedicação à introspecção.
Não é o cenário dos mais agradáveis. Nada de leituras no parque, na praia, ou mesmo, vá lá, na cama no final da noite antes de adormecer. Hoje em dia, é Grande Sertão no chacoalho do metrô mesmo. Como diria Guimarães “viver é etcetera”. Mas pelo menos tenho este tempo. Caso dispensasse meu tempo de ida ao trabalho de carro, não sobraria nem isso. Como vou de motorista, posso me distrair das caras das pessoas mergulhando no universo fantástico do cerrado e do sertão mineiro.
Pois é, melhor do que fingir o olhar, para que não tenha o constrangimento de encontrar outros olhares, maior causa do desconforto do metrô. Ali, na leitura, esquece-se que você é um saco de batatas espremido por muitos outros que também seguem rumo ao trabalho diário. Às vezes, dá até para disfarçar o mau cheiro de tanta gente junta. Não digo que toda a leitura consiga este efeito fantástico de afastamento e, mesmo o Guimarães, não consegue me desviar do empurra-empurra na descida na estação da Sé, mas é um motivo a mais para gostar do momento de ir e vir. Algumas vezes, fico até ansioso pelo momento, principalmente se ele for o “vir” para casa.
Fico pensando no que aconteceu com aquele garoto que ficava horas lendo. Um romance num só dia, de cabo a rabo. Aconteceu que ele não tem mais tempo. E, acreditem, não é desculpa, agora a leitura virou missão impossível. Isso porque, depois do trabalho, que consome a maior parte do dia, tenho que dar atenção a um filho, e uma mulher, que mendiga também a atenção. Está certo que eu muitas vezes não correspondo totalmente às expectativas, mas, se eu pego um livro para ler, a coisa com certeza fica feia. É como um pecado ter um tempo para si em meio a tantos afazeres.
Mas, enquanto eu tiver o tempinho no metrô e um bom livro para ler, continuarei minhas leituras e, daí, minhas indicações para os colegas de leitura. Ler é etcetera…