Um dia, possivelmente poucos dias depois da invenção do cinema, algum escritor astuto espalhou por aí que não importa o esmero do cineasta, invariavelmente o livro será melhor que o filme. A sentença acabou perdurando por décadas e décadas, amém, e até hoje é utilizada para defender a honra, tanto do autor, quanto do leitor. Sim, porque o leitor precisa, ao cabo de uma leitura que as vezes não lhe satisfez tal como as melhores que ficaram em sua memória, de um bom argumento para justificar o tempo gasto. As vezes as palavras não são suficientes.
Eu acho simpático o axioma e devo ter utilizado ele um par de vezes. Mas é preciso dizer a verdade: nem todo livro é melhor que o filme. Calma lá, não é o apocalipse, de forma alguma estou afirmando que agora possamos queimar todos os romances e contos que se tornaram películas. Ocorre que quanto mais descritivo o livro for, maior o risco de uma imagem ser mais eficaz para expor seu conteúdo.
Os livros que conseguem dialogar com o leitor a partir de uma dimensão onde só existem palavras e emoções serão sempre únicos. Você pode fazer cinquenta filmes, e todos serão diferentes e não substituirão o papel. Mais que isso, se o livro beirar a perfeição, o filme automaticamente estará condenado a uma comparação estética eterna e inglória. Como escritores, temos o dever de escrever algo que uma imagem não consiga traduzir.
Os caminhos são inúmeros e se bifurcam entre as emoções e os pensamentos. A descrição das pessoas, paisagens e locais são importantes, aliás fundamentais, afinal não há história sem personagens e tempo e espaço. Porém, a tarefa deve ser realizada de modo que os adjetivos reverberem além puramente da imagem, confiram substância ao substantivo.
Podemos citar inúmeras obras que se locupletam da primeira a última página e segue uma lista pessoal que pode inclusive servir para inspirar novas leituras: Grande Sertão Veredas, A Hora da Estrela, A Insustentável Leveza do Ser, O Filho Eterno, O Lobo da Estepe e quiçá outros que não me vieram a mente agora. Mas a questão em si é como fazer isso, como transcender a imagem a ponto de fazer valer a máxima de Millôr: Se uma imagem vale por mil palavras, então tente dizer isso com uma imagem.
Não há outra alternativa. O escritor deve mergulhar na subjetividade, sua inicialmente, para extrair algo que se comunique com os outros. Sua missão é oferecer aquilo que nenhum outro artista seria capaz, algo exclusivo do campo da literatura. E ainda por cima, contar uma história.