Há tantos clássicos no mundo que mesmo com uma velocidade de leitura razoável e vivendo o século que lhe cabe, dificilmente você terá tempo de devassar todos. Por isso, não importa o quanto você se esforce, sempre haverá algum ainda a se conhecer. Somando ainda aos contemporâneos, a ignorância é regra e não exceção. Mas a ignorância é também uma benção, há sempre algum livro extraordinário para se conhecer.
Não é a toa que um autor se eleva a esse patamar, frequentemente há rupturas, inovações ou simplesmente puro virtuosismo que acaba por alça-lo no hall of fame da literatura mundial. Também há casos que poderiam ser ignorados, e cada leitor seguramente terá os seus. Eu gosto de citar José de Alencar como exemplo. Mesmo com toda a sua importância, um colega poderia ter me feito um resumo para aplicar na prova que eu provavelmente não teria perdido nada. Mas, como se diz no futebol, clássico é clássico, e vice-versa.
Pois, finalmente, ultrapassada a barreira dos trinta anos, adentro-me de vez no establishment da literatura inglesa. Isso porque finalmente estabeleci e cumpri uma meta pessoal. Ler uma obra inglesa em sua língua materna sem titubear. Veja bem, tal meta não é nova, para falar a verdade desde que comprei os pockets da editora do pinguim simpático, no final da década passada, volta e meia folheio uma página, chego na segunda e abandono a leitura por completo.
Pois bem, estamos em 2015 , e cá estou ultrapassando a barreira da página 150 do Retrato de Dorian Gray, aliás, corrijo-me Picture of Dorian Gray, de um dos autores que deve ser um dos melhores frasistas desde a Clarice Lispector (perdoem a formulação anterior, literatura tem alguma coisa de atemporal): Oscar Wilde. A tarefa não foi nada fácil, primeiro tive que devassar a poeira acumulada de anos de um livro de papel jornal e edição simplória. Uma baforada liberou milhões, quiça bilhões, de microorganismos e partículas de poeiras acumuladas ao longo de tempo, e seguramente mais cultas e preparadas do que as demais. Cof, cof, well, let’s finally Begin.
Posso estar enganado, não me adentrei ainda na literatura inglesa como deveria, mas i’ll take my risks e afirmarei que Oscar Wilde deve ter ajudado a consolidar, ou ao menos popularizar, um dos principais traços da psique inglesa: a ironia. Para representá-la em toda a sua sagacidade e sedução, o autor utilizou-se de um dos personagens principais da trama, Lord Henry, que serve de porta voz para as melhores quotes do livro.
Este humor, que hoje poderíamos a miles of distance afirmar que é típico anglo-saxão, é utilizado pelo autor para uma função muito além do riso, tem uma função quase militante no enredo. Seu humanismo em busca de uma ética inspirada na estética, pode ser resumida em uma frase brilhante que Henry diz no início da trama: I like persons better than principles, and I like persons with no principles better than anything else in the world.
Mas no fundo, a história oscila numa contradição entre um sentimento libertário e uma culpa que serve de fardo por ultrapassar esta fronteira psicológica e o personagem central deste embate é o próprio Dorian Gray. No fundo, a pintura serve como um depositário moral onde o personagem, possivelmente também um retrato do escritor, guarda seus remorsos e transgressões. É como uma tentativa de assimilar um novo mundo e armazenar no porão o que não faz mais sentido, porém prossegue atormentando a consciência.
A ironia, sem dúvida, é uma defesa para enfrentar a persistência da tradição. Ao mesmo tempo, funciona como uma conformidade. Em certa passagem, Lord Henry é confrontado com seu próprio paradoxo: por mais que conteste de forma espirituosa todas as convenções, seu cotidiano é todo permeado por ele. Ironically, o mundo todo conhece os ingleses até hoje pela sua ironia distinta. E, daí, retornamos aos clássicos.
Por que até hoje os clássicos permanecem clássicos? Por um lado, refletem uma época que já passou, com suas próprias peculiaridades e idiossincrasias, porém há questões que se repetem ao longo dos tempos. Certamente, de maneiras distintas e com as cores próprias do seu tempo, mas se resumirmos ao máximo, chegamos numa sentença comum, tal como uma espiral que descende da mesma raiz.
Os clássicos continuam clássicos, porque deeply inside vivemos as mesmas questões de nossos antepassados. De um extremo um moralismo decadente de igrejas e viúvas de ditaduras, do outro um hedonismo sem sentido e astético. E talvez a ironia seja a única salvação.
Bogado Lins é escritor, roteirista e leitor dos clássicos