Os foliões estavam concentrados na segunda de carnaval em São Paulo… na frente dos cinemas. Na Cinelândia Paulista, o quadrilátero que concentra o Belas Artes, o da Augusta, o Playarte e do Conjunto Nacional, estava abarrotado de colombinas e pierrôs aguardando adquirir um abadá para a próxima sessão. A missão parecia tranquila antes de sair de casa, com a revitalização dos blocos de ruas e os engarrafamentos quilométricos da Imigrantes e da Tamoios, tudo parecia indicar que uma tarde tranquila no cinema não seria problema. Paulistanos e imigrados, porém, há aos milhões, suficientes, portanto, para encher estradas, blocos e algumas milhares de cadeiras nas salas de cinema da Consolação.
Minha folia começou no Belas Artes. Como uma verdadeira festa pagã, as pessoas se aglomeravam na rua em uma fila interminável que estendia até o final da Consolação. Estavam todos sedentos para assistir a última sensação do cinema argentino. O título, aliás, combina perfeitamente com o período: Relatos Selvagens. Porém, um funcionário do cinema salvou-nos de uma decepção ainda maior. O maior sucesso argentino do carnaval estava esgotado.
Rumamos então nas ruas cheias da Augusta buscando uma nova sessão que abrigasse quatro pessoas e contasse uma história bonita. O destino era o cinema que era do Waltinho e agora é da Neca. Caixa, Itaú, Banco do Brasil, puxa, parece que banco gosta de uma fila.Mesmo assim, com apenas essa pequena mudança de planos, após passar no caixa, conseguimos nosso lugar em outro camarote para uma sessão. Fomos assistir Teoria de Tudo.
O filme trata da vida de Stephen Hawkings, o físico que, dentre outros tantos feitos, conseguiu descrever como os buracos negros se comportam. Outro traço que o distingue é o seu empenho em tentar entender como o universo funciona em sua totalidade e traduzir isso em uma linguagem simples e inteligível para grande parte das pessoas. Foi com esse objetivo que escreveu alguns livros Best Sellers, como o Universo numa Casca de Noz e Uma Breve História do Tempo.
O enredo inicia nos seus tempos de faculdade, onde mostra um aluno relapso, porém com bastante potencial. Divide as atenções entre a faculdade e as dispersões comum ao período, como festas, bebedeiras e uma garota a quem ele começa a desenvolver afeto.Tudo muda porém quando descobre sua condição de portador de ELA, a esclerose lateral amiotrófica, enfermidade que retira gradativamente os movimentos voluntários do corpo. É realmente uma sacada interessante mostrar o drama de um jovem talentoso ao se deparar com praticamente uma sentença de morte. Segundo o médico, a expectativa era viver apenas mais dois anos.
Pois bem, mesmo ciente da situação de Hawkings, Jane Wilde se casou com ele, e provavelmente, como mostra o filme, encorajou-o a continuar os estudos e sua vida “normal” mesmo gradativamente se tornando cada vez mais incapaz de fazer os movimentos mais simples. A história de amor tem uma reviravolta após um motivo óbvio, Hawkings vive muito mais que os dois anos previstos inicialmente, e isso obviamente complica seu relacionamento com Jane.
O filme é interessante justamente por abordar a vida cheia de reviravoltas dessa grande personalidade da ciência. Porém, após a película, por conta da curiosidade despertada pela história, fui pesquisar sobre a vida do físico, e daí tive uma imensa decepção. O roteiro do filme altera bastante a vida do seu personagem. Certa liberdade poética é permissível, mas deve existir algum bom senso, ainda mais considerando que a plateia, ao escolher ver uma cinebiografia, deseja conhecer como de fato foi a vida do biografado. Uma rápida busca na internet confirmou que o roteiro é praticamente uma obra de ficção.
Agora, o autor, eu no caso, realiza uma licença poética ele próprio, e retoma ao enredo inicial. Talvez seja mais compreensível que uma escola de samba, lembrando os sábios Demônios da Garoa, faça “O Samba do Crioulo Doido” e trate de uma história desse jeito despretensioso. Afinal tudo está ali apenas para abordar do início ao fim um enredo que, no fundo, só serve de subterfúgio para fazer lindas alegorias, fantasias e um samba enredo empolgante na avenida. Talvez todas essas “lindas histórias” fantasiosas do “super físico” e sua mulher que larga tudo em busca do amor fossem mais apropriadas na avenida, ao invés de enganar esse público todo que fugiu do carnaval para se emocionar no escurinho do cinema. Fica a dica.
De resto, indico o livro, Uma breve História do Tempo, uma boa forma de entender que as coisas são bem mais complicadas que “Os Segredos” que todo mundo fica espalhando por aí.
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana