Dizem que a sobrevivência é uma das principais fontes de criatividade do ser humano. Imagine-se em um ambiente natural, ou seja, absolutamente hostil. Tudo e todos querem te comer e não, não me refiro ao que talvez algumas leitoras, ou leitores, se interessem. Estou falando no termo literal. Predadores dos mais diversos estavam sempre na cola dos nossos antepassados para dar o bote. Dos maiores e mais assustadores, até os menores, causando moléstias e deglutindo os corpos célula por célula.
Sem dúvida, sobreviver foi o combustível para as primeiras grandes inovações da humanidade, tais como o controle do fogo, a fabricação das armas, até outras mais avançadas, como o domínio da agricultura e da atividade pastoril. Porém, gostaria de contrapor esse instinto a uma força inovadora ainda maior, que a partir de certo momento auxiliou o homem a progressos inestimáveis. Refiro-me à preguiça.
Não vamos subestimar a preguiça, como fazem muitos que provavelmente não pegam no pesado – afinal, se trabalhassem tanto não teriam tempo de criticar, não é mesmo? Para deitar na rede mais cedo, é necessário um longo trabalho criativo que ocupou mentes brilhantes do mundo inteiro, que só puderam se envolver em tão nobre tarefa, pois não tinham que se ocupar da sua sobrevivência básica. Sim, em um certo sentido, a preguiça se retroalimenta de uma forma fantástica!
Tudo deve ter começado com a divisão das tarefas mais básicas, até que rolou uma preguiça. Daí o preguiçoso tinha que convencer o coleguinha que a sua tarefa era mais importante, mesmo que não parecesse tanto assim. Cuidar dos filhos, caçar e… rezar? Parte da humanidade conseguiu fazer isso utilizando a religião. Já outros foram para os “finalmentes” e o fizeram a partir da força bruta mesmo, o que levou a um novo instinto de sobrevivência. Para não ter que cuidar da sobrevivência do outro, era necessário se precaver.
Cada tribo criou sua tática de preguiça, digo, sobrevivência. Primeiro, caçaram para acumular alimentos para dias e dias, depois a atividade pastoril, a agricultura, em seguida a escravidão e assim, continuamente, criando sistemas cada vez mais complexos onde o objetivo final fosse que cada vez mais gente pudesse deitar na rede e ver o mundo passar. Claro que alguém teria que trabalhar para isso, afinal ainda havia muito a inventar. E assim, enquanto uma parcela desafortunada pegava no pesado, outra parcela da população foi reunida em um ambiente para somente pensar, pensar e pensar. Enquanto isso, a aristocracia governava tudo isso, ou “gerenciava”, uma forma romântica atual de dizer que botava os outros para trabalhar. E quem conhece o ser humano, preguiçoso nato, pode afirmar: como dá trabalho fazer os outros trabalharem!
Mas todo esse sistema complexo e preguiçoso, pasmem, criou coisas incríveis. Uma prova disso é o transporte. Não satisfeitos com a tração animal, criamos barcos, veículos motorizados e até aviões. Tudo para ir e levar coisas de um lugar ao outro sem muito esforço. Aliás, os motores, por si só, também foram algo a se comemorar, permitiram produzir produtos com uma rapidez incrível. Produtos que produzem produtos que produzem preguiça. Uma cadeia produtiva tão complexa que dá até sono.
Os artistas mesmos vivem eternamente em busca de seu ócio criativo. Afinal, que artista conseguiria pintar a Capela Cistina sem um bom tempo livre? Ou escrever Ulisses? Ou compor toda a nona sinfonia? Pois é, a arte demanda ócio, que nada mais é que uma palavra bonita para preguiça. Mais que isso, é uma das expressões máximas dela. Afinal, toda obra de arte em si não tem propósito nenhum senão a pura contemplação.
Porém, nada mais inovador que um subgênero da preguiça criativa, a gulodice. Arrisco dizer que foi ela a principal força criadora por trás de absolutamente todas as invenções. Seu repertório de invenções é quase inesgotável. Reparemos alguns exemplos do que a gulodice produziu na história da humanidade: pizza, pipoca, hambúrguer, linguiças, salsichas, queijos, cheddar, fondue, churrasco, almondegas, doritos, batata frita, beirutes, e inúmeros pratos, dos mais ao menos sofisticados.
O fenômeno é absolutamente universal. Reparem que há contribuições de todos os cantos do mundo. Dos árabes recebemos as esfihas, dos italianos a pizza, dos gaúchos o churrasco na sua forma mais perfeita, do Brasil a feijoada, dos mexicanos os tacos, dos espanhóis a Paelha, dos portugueses os doces açucarados, dos alemães o hambúrguer, dos franceses as inúmeras variedades de queijos, da África a moqueca e o acarajé, dos chineses o macarrão, do japão o rodízio de sushi. Enfim, poderia dar uma volta ao mundo inteira e ver as diferentes maneiras que cada povo desenvolveu para si mesmo e para o mundo engordar.
O ápice da preguiça ainda está por vir. Estamos prestes a entrar na era da robótica, um tempo onde absolutamente tudo poderá ser feito por um robô. Já estamos no caminho. Tarefas que antes eram desempenhadas por mil homens hoje são feitas por dez, logo serão feitas por um. Fábricas que abrigavam milhares de trabalhadores hoje funcionam com cerca de algumas dezenas. Toda contabilidade de empresas pode ser feita através de planilhas. Já existem até carros que se dirigem sozinhos…
Em outras palavras, vamos substituir o trabalho do Ser Humano pela máquina, mais ou menos como fizemos com os cavalos anteriormente. E tudo por pura preguiça. Para que trabalhar? Como já foi dito anteriormente: “better technology makes better Jobs for horses”. Em alguns anos, basta substituir “horses” por “humans”.
Assustador? Talvez, mas pense no lado positivo, assim poderemos viver apenas para comer, o que no fundo, era o nosso grande objetivo desde o começo.
Que preguiça!
1 Comentário. Deixe novo
Genial! Não escrevo mais porque estou com preguiça comendo alguma gulodice!!!!!!