Veríssimo foi uma grande inspiração na minha vida. Ao descobri-lo no meio nas páginas dos jornais – sim, sou da época dos periódicos – descobri que os textos poderiam ser curtos e mesmo assim proporcionar momentos de grande risada. Sua capacidade de criar humor a partir de situações cotidianas e expressar isso com algumas páginas era viciante. É uma referência até hoje para um humor leve e cotidiano.
A partir dele, mergulhei-me no universo das poucas palavras, passei a acompanhar cronistas dos mais diversos. Primeiramente atentei-me aos humoristas, mas logo depois descobri uma nova seara completamente distinta de cronicar: retratar as ruas. Caminhando entre uma e outra, observando as pessoas e os pequenos dramas de cada um, de repente, cheguei a uma vereda literária que insisto em traçar.
Foi em meio à maturação de um estilo ou, despretensiosamente falando, uma possibilidade, que eu descobri João do Rio. Trata-se talvez do primeiro cronista brasileiro que chegou ao grande público com suas pequenas descobertas diárias. Imagino o frisson de descobrir um novo filão completamente novo para os periódicos da época. E ganha uma nova dimensão com as redes sociais, a partir de alguns autores como Antônio Prata e Lusa Silvestre.
João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto – seu nome era maior que os seus textos- era jornalista e escreveu para praticamente todos os periódicos do seu tempo. Algumas das principais crônicas suas, espero não estar sendo injusto, estão reunidas no livro A Alma Encantadora das Ruas, título que faz jus ao trabalho do escritor de mapear o espírito de uma cidade que se reconhecia moderna pela primeira vez.
Porém, a modernidade é uma via de mão dupla, enquanto os chopps, apresentações internacionais, shows, trilhos de bonde, prédios, avenidas proliferavam; uma outra cidade crescia e complementava ela de forma orgânica, quase inseparável, formada pela imigração, pobreza, malandragem e improviso, como duas faces da mesma moeda. E tal como uma verdadeira necessidade da paisagem de se expressar, foi que João Paulo Emílio Cristovão, etc, etc, tornou-se João do Rio.
Não se trata de tirar o protagonismo do autor, mas antes de estabelecer sua verdadeira importância. Sem ele talvez a cidade não conseguisse o feito de se retratar simbolicamente em um período tão único e importante para a formação de uma identidade carioca. Uma personalidade que se formou através da assimilação dessas diferenças, para o bem e para o mal, onde toda uma cultura pôde se consolidar como parte do carioca comum.
Sua descrição das ruas trouxe para sua época, e para as vindouras, um relato fiel do que o Rio de Janeiro vivenciava no dia-a-dia no cada vez mais longínquo início do Século XX. Os trabalhadores da mineração, os vendedores de preces, a mendicância, os pintores de parede, os prisioneiros, os chineses usuários de ópio e toda uma sorte de ocupações e vícios que as ruas fomentavam em seu caldo cultural.O que diferencia João do Rio, porém, é o seu entendimento de flaneur que tudo aquilo era uma parte importante, quiçá essencial, da cidade. Esta percepção inaugura toda uma literatura em âmbito nacional, principalmente uma que se atem as pequenas percepções do mundo e de algum modo gestou a crônica brasileira.
Ler João do Rio, portanto, é observar o nascimento de dois fenômenos absolutamente incríveis e provavelmente únicos: o carioca e sua carioquice, e, ainda, este texto curto, direto, intuitivo e quase displicente que narra as ruas de nosso Brasil em papéis de jornais e mais recentemente na internet, a crônica brasileira.