Alguns minutos atrás, estava olhando meus filhos. Um estava no computador, a menina deslizava os dedos no tablet, ambos conciliam uma infância entre os eletrônicos e as corridas e brincadeiras. Os jogos uma hora estão no real, outra no virtual, na naturalidade de uma diversão.
A comparação é inevitável, lembrei de minha infância quando ainda nos fascinávamos com videogames de 8 megas de memória. Antes havia apenas o Atari. Não se imaginava que em alguns anos a humanidade estaria conectada. E cada vez mais conectada até o dia de hoje, que basta um toque para acessar parte do conhecimento do mundo ou conversar com um amigo, ou desconhecido, na outra parte do mundo.
Há uma tentação natural para se olhar o futuro com o medo do desconhecido. Como será o amanhã? Será que vamos ainda viver no mundo real? Será que vamos sobreviver? Mas antes da fobia, é preciso olhar para trás. O mundo do meu pai mudou radicalmente também. De sua infância até hoje, passou uma guerra fria, uma ditadura e inúmeras revoluções tecnológicas. Pulou da televisão preto e branco para a TV a cabo. Recentemente, inclusive, dei minha senha do Netflix para ele.
E seus pais, meus avôs, nem se fale, quando eram crianças, o Brasil ainda era agrário. Manteigas, queijos, vinhos e gêneros alimentícios hoje comuns, eram raros, vinham sobretudo do exterior. Na data do falecimento de minha avó, bastava ir ao supermercado e escolher entre variedades tantas de queijos vindos do Brasil e de toda parte do mundo. Mesmo assim, minha avó adorava lembrar o gosto da manga do pé da fazenda na Bahia.
Sim, alguma coisa fica para sempre na criança, o mundo de antes sempre será melhor. Estranhamente, tecnologia é apenas tudo que você conhece depois das primeiras lembranças da infância. O resto são apenas coisas. Mas a humanidade caminha sempre para uma nova lembrança de alguém que ainda não nasceu. E toda a história da humanidade é apenas um fragmento.
As três gerações que convivem agora – avô, pai e filho – viram nascer e expandir para o mundo algumas das tecnologias que hoje são apenas coisas: os carros,o avião , a televisão, a internet. Também conviveram com duas guerras mundiais, o medo da bomba atômica e algumas guerras espalhadas pelo mundo. Mas as três gerações anteriores viveram mudanças igualmente incríveis: viram nascer o telégrafo, o rádio, o trator, o dinamite e tantas coisas que hoje são absolutamente triviais.
O passado é uma incógnita, sem os relatos de quem viu, ouviu e sentiu, resta apenas a história. E sua perenidade é absolutamente frágil. Tudo o que sabemos data das primeiras inscrições, que estima-se terem apenas 6000 anos. Mas o fato é que desde que a humanidade começou a registrar o mundo em que vive, e talvez antes ainda, tudo muda em uma velocidade incrível.
Mudanças radicais sempre fizeram parte da humanidade. Uma nova arma, uma nova ferramenta, uma nova língua, uma nova palavra, uma nova escrita, uma nova comida. Por alguma razão sempre cremos que nosso modo de vida é eterno. Porém países, reinos, impérios, repúblicas nasceram e desapareceram com uma rapidez que surpreenderia seus habitantes. Muitos conquistadores que escreveram seus nomes nos livros da histórias não deixaram suas conquistas para seus descendentes. O império de Átila não atingiu sequer vinte anos. O império de Alexandre Magno teve apenas 13 anos. A Inglaterra, o império onde o sol não se punha, teve míseros 100 anos de existência. O Império Romano, o mais longínquo dos impérios ocidentais, não chegou a completar 1000 anos e, em toda a sua expansão e declínio, perdurou com o mesmo território por apenas 200 anos, no período conhecido como Pax Romana.
Nem o que comemos é tão antigo quanto se parece.Uma criança alemã talvez não imagine, mas a batata que ela come todos os dias, e que faz parte praticamente de todos os pratos da sua terra, foi introduzida na Europa após o descobrimento das Américas. O milho migrou na mesma época. O macarrão italiano chegou um pouco antes da China. E legumes, frutas e temperos navegaram, e navegam, de uma ponta a outra do mundo modificando os paladares e fazendo revoluções silenciosas. Quem diria que a manga que minha avó tanto lembrava como o sabor de sua infância, tem menos de 500 anos na terra que ela amava tanto?
De alguma forma, o passado é uma prova incontestável que a norma é a mudança. Uma geração não vive uma vida sem revoluções bruscas, guerras e impermanências das mais variadas.Não precisamos ter medo do futuro. O destino da humanidade é, enfim, a eterna mudança. E, do indivíduo, a saudade eterna de ser criança.
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Boa cronica. Me fez lembrar minha mãe e manga.