As mensagens de autoajuda estão por toda a parte. Algumas vezes se misturam a uma pseudociência, outras se integram ao discurso religioso, sempre se vendendo com a alcunha de verdade. Uma que tem se repetido é que o mundo é atemporal e o futuro e o passado são algum tipo de criação de nossas mentes. Esqueça o passado, só existe o presente!
Eu concordava com esta afirmação até ver um filme que me alertou para algo essencial: o ser humano é fundamentalmente seu passado. Imagine-se acordar repentinamente sem o seu inventário de lembranças? Onde estou? Onde fica o banheiro? Aliás, o que é banheiro? Quem é você? Não existe humanidade sem referências. É lindo no discurso abdicar do passado para viver o presente. Mas um Homem sem lembranças é uma animalidade, simplesmente não é.
Isto ficou claro depois de ter visto um filme bem interessante que aborda a vida de uma linguista extremamente bem sucedida. Ela tinha tudo o que desejava, porém, repentinamente, começa a ter falhas esporádicas de memória. Após algumas consultas médicas descobre que tem Alzheimer. O seu choque inicial é óbvio, afinal sua vida é pautada no estudo da comunicação. E, agora, corre o perigo constante de estar apartada do mundo tal como o conhecemos.
O processo de aceitação da realidade é penoso. Primeiro, ela tenta se munir de todas as ferramentas para as falhas de memória, cada vez mais frequentes. As soluções são bem criativas, ponto alto do plot, mas mesmo assim vai sendo pouco a pouco desmascarada. Em certo trecho, genial, a protagonista alega: “preferia estar com câncer” E não é que é verdade? Por mais desafiador que qualquer doença possa ser, nada parece ser mais assustador que continuar vivo sem alma. Aliás, acabo de me dar conta, a alma nada mais é que uma manifestação das lembranças.
Enquanto Alice vai se perdendo, tenta ainda deixar suas marcas, tanto em sua vida profissional, quanto pessoal, procurando “arrumar” a bagunça. Mas gradativamente vai aceitando a inexorabilidade da existência, processo que, no fundo, todos nós passamos, dia sim, dia também, de constatar que, bom, não estamos totalmente no controle e, quiçá, as memórias não sejam tão importantes. Daí nós lembramos mais um dado importante: as lembranças são a nossa alma, mas também nossa âncora. Deixa a vida me levar, vida leva eu.
O filme, de modo geral, apresenta oscilações entre momentos ótimos e medianos, mas ganha uma nova projeção pela escolha do tema. O drama absoluto de perder a principal posse. Afinal, lembrar é a única posse que temos. O resto: casa, família, mulher, filhos, carro, trabalho, laptop e até as drogas de contas que temos de pagar, são apenas acessórios da memória.
Moral da história? Lembre-se. E só.
2 Comentários. Deixe novo
É interessante porque desde que vi o trailer desse filme fiquei imaginando uma relação com Alice no país das maravilhas – por causa da “coincidência” dos nomes das protagonistas -, como se a grande mensagem fosse que o mundo em que vivemos é onde existem e encontramos as maravilhas, porém, para que as notemos, é preciso mais que uma questão de olhar, é necessário valorizar as experiências e vivências pelas quais passamos no nosso mundo; logo, a memória é fundamental, é um “país das maravilhas”!
Só uma ideia: uma crônica sobre esquecimento, as coisa q devemos esquecer para seguir vivendo. Foi impossível ler sobre lembranças e memórias e não associar a tudo que não quero lembrar.