Quando criei o Literatura Cotidiana, e a ele se juntou o amigo e parceiro Paulo Laubé, um dos intuitos sempre foi trazer dicas de livros e arte em geral com uma perspectiva positiva. Afinal, o declínio do hábito da leitura, inclusive de quem realmente lia, já é algo assustador, por assim dizer. Desencorajar leituras, portanto, longe daqui.
Porém, nos últimos tempos, creio que a despretensão do blog e os diversos sentimentos e pensamentos que trazem as leituras mudaram minha análise. Até porque minha análise dos livros vem mudando de perspectiva, avançando para o terreno de reflexões e ensaios sobre assuntos que os livros, películas e trabalhos artísticos em geral trazem. Você provavelmente não encontrará uma critica puramente negativa, mas, cada vez mais, o diverso estará presente, oferecendo novas dimensões da obra em questão.
Pois é, analisando o escritor, e sobretudo minha história com ele, que começo a reflexão sobre o último livro de Veríssimo. As Mentiras que as Mulheres Contam não parece denotar uma saturação, mas antes um novo caminho que ele parece pouco a pouco vir tomando em suas crônicas e contos curtos. Um caminho novo em seu conjunto da obra, menos óbvio e que, eu particularmente, não gostei.
É óbvio que o modelo que o escritor criou em algum momento chegaria a um looping do mesmo. Afinal, sua genialidade já tinha se desdobrado em textos infinitos ao longo de suas décadas de cronista. Portanto, a solução do autor é louvável do ponto de vista literário, mas de algum modo traiu a alguns leitores como eu que procuravam o autor para pura e simplesmente ter a segurança de ler uma coletânea de crônicas com padrão Veríssimo.
Veja bem, nada radical, o bom e velho Veríssimo está representado lá. Continua tendo as crônicas com temáticas inteligentes e desfechos astuciosos, ainda que envelhecidas pelo tempo, como aquela que trata de uma casa de “rendez-vous” onde as “primas” em vez de mostrar, escondem. Ou outra que o interlocutor decide que sua filha não é digna para um pretendente devido a como seu pai prepara um churrasco. Mas veja bem, a surpresa existiu. Identifico uma certa guinada no autor. Sua leveza humorista, de tiradas deliciosas e conclusões hilárias e sagazes, em alguns momentos caminha para uma conclusão muito mais surrealista e com uma certa propensão ao grotesco, ao sinistro. Ainda prefiro o Old Times Veríssimo, que me transporta a um tempo e humor que não voltam mais.
Outro erro, provavelmente de marketing, foi o título escolhido. Apesar das mulheres serem o mote da trama, na maior parte das vezes não são o centro. Em outras palavras, não são elas que conduzem o plot e, de forma geral, as conclusões são em muitos casos do ponto de vista masculino. Sem querer entrar na seara do machismo, afinal estamos falando do campo livre da literatura, mas o título parecia indicar que o autor fosse explorar as nuances do ponto de vista feminino, algo que está presente em poucas crônicas do livro.
Veríssimo é sempre Veríssimo, mas se por acaso você ainda não conhece, talvez seja o caso de começar por outras obras. Ou não. Comece por esse, afinal um livro mediano dele continua sendo muito melhor do que a maior parte do que se publica por aí na atualidade.