Aí estava eu cheio de trabalho para fazer passando os canais da TV para cima e para baixo, percebo que um deles transmite um filme nada novo, um clássico dos “durões americanos”: Rocky: um lutador. Por curiosidade olhei qual seria a programação do canal e não é que passariam todos os filmes do Rocky em sequência!
Estava bem no momento em que Rocky Balboa visita o ginásio em que se dará a luta e paquera um banner enorme de Apollo Creed – que é o atual campeão dos pesos pesados – e outro dele próprio. Nesse instante tive um estalo! Quase como Tarantino ao avaliar Top Gun. Pô! Essa série do Rocky é uma tremenda história homossexual! Sim, eu sei que ele casa com Adrian, que vez ou outra ele grita por ela, mas pode ser só a força da imposição social, sabe como é, estamos falando de quarenta anos atrás…
O que surgiu na minha cabeça é o seguinte: começa que Rocky Balboa tem o apelido de Garanhão Italiano, o que para um boxeador soa um pouco estranho, afinal seria ele um “reprodutor”? Ok, ele sobe no ringue para bater, mas… (O fato de Stallone ter feito um filme pornô para sobreviver cinco anos antes nada tem a ver.) Além disso ele passa o filme inteiro admirando Apollo Creed, o atual campeão, famoso, bem sucedido no boxe, conhecido por sua agilidade com as pernas, negro de vida confortável nos Estados Unidos dos anos 1970, e num instante fui lembrando do pouco que me vinha à cabeça dos outros filmes e nossa! fez sentido.
Cara, o nome dele é Apollo! Apolo era um deus! O mais belo deles! Deliciava os deuses tocando… a lira, também ficou famoso como arqueiro e atleta veloz e foi o primeiro vencedor dos Jogos Olímpicos. Deus belo, agilidade nas pernas… aí tem coisa! No fim das contas, ou melhor, da luta, eles vão até o último assalto e Apollo mantém o cinturão de campeão, mas fica admirado com a bravura, a força, a resistência de Rocky, o Garanhão!, como se este tivesse provado seu valor, ou conquistado a “empatia” de seu “adversário”. Em outras palavras, o italiano bateu tanto em Apollo, chegou a fazê-lo “beijar a lona”, que ele gamou!
Bom, o segundo filme é exatamente a continuação do enlace. A revanche é ainda mais reveladora… sobretudo porque Rocky se afasta dos ringues após a luta do primeiro filme e começa sua vida com Adrian. No entanto, é mais forte que ele, a vontade de reencontrar Apollo faz com que ele invista na revanche. Ambos se respeitam como lutadores e se admiram. O final dessa luta é ainda mais especial. Depois de sei lá quantos rounds os dois parecem dois joão-bobos até que com uma sequência de socos de Balboa ambos vão à lona. A contagem de dez segundos do árbitro dura minutos em câmera lenta enquanto os lutadores tentam se reerguer e trocam olhares. Ao final do “nono segundo” somente Rocky está de pé, como um joão-bobo, mas de pé e vence.
Rocky III começa com Apollo fora dos ringues após a perda do cinturão e Rocky no auge de sua carreira. Inclusive fazendo lutas beneficentes bizarras, em especial há uma contra um lutador de luta livre. Enquanto isso, Clubber Lang um lutador desconhecido e com sangue nos olhos quer seu lugar ao sol. Na verdade tem é invejinha dos protagonistas. Logo, Rocky, o atual dono do cinturão, é seu alvo. Durante a luta, Mickey, o treinador do Garanhão já velhinho, está nas últimas e, vendo seu pupilo levar uma surra de Lang, morre assim que acaba a luta. Aí outra faceta se revela: a adoração, quase um amor filial de Balboa por seu treinador, agora morto, e a derrota fazem-no sentir medo.
Desamparado e tomando esporro até da mulher, “surpreendentemente” Apollo reaparece para salvar Rocky, sugerindo ao Garanhão que o deixe treiná-lo. Os treinos são duros e inicialmente improdutivos, até que Apollo mais ou menos fala: “Acabou! Para mim chega! Não dá mais, não brinco mais!” Balboa leva outro esporro da mulher, indignada que o marido está com medinho. Então, começa uma aproximação com Apollo durante os treinamentos e ele ensina o Garanhão o seu swing de pernas. É bonitinho! Eles se abraçam saltitantes, suados e rumam unidos para vencer Clubber Lang. Detalhe: Apollo ressalta os olhos de tigre de Rocky que o conquistaram e Apollo o chama várias vezes de Garanhão…
Rocky ganha, ok, ele e Apollo se tornam melhores amigos e chegamos ao quarto filme. Agora é outro querendo atrapalhar o casal: um russo anabolizado vivido por um ator sueco: loirão, alto, forte, de olhos claros, de nome Ivan Drago, que quer enfrentar o melhor boxeador americano, Balboa. Mas Apollo enciumado resolve lutar pelo seu amigo. O engraçado é que Apollo procura seu “amado amigo” para conversar e tomar tal resolução, sua esposa nem sabe e Adrian é contra. Outra coisa, Drago significa dragão, outro ser mitológico para tirar o sossego do Garanhão e do Apollo, mas dragão é uma figura reptiliana, um lagartão, uma cobra com patas e asas cuspindo fogo! É pouco?
O russo não está para brincadeira e enche Apollo de porrada que morre no ringue nos braços de Rocky. Drago ainda diz quase dando beijinho no ombro “se morrer, morreu”. Aliás é a segunda morte masculina nos braços de Rocky, com Mickey fôra igual. Assim, o Garanhão Italiano sente o fogo e é impelido a lutar pela honra do finado Apollo na União Soviética. A luta é ridícula, há momentos que parece mais briga de mulher traída com a amante. E o gelado russo revela ter sentimentos…
Vitorioso, é claro, mas estropiado, o garanhão retorna aos States no Rocky V. Uma fraude faz perder toda sua riqueza e os anos de pancadas o aposentam com uma lesão cerebral. Viúvo de Apollo, ele volta ao lugar de origem e as lembranças do passado o atormentam. Jr., seu filho adolescente, passa a dar sinais de querer a atenção paterna e um novo triângulo começa quando um novo boxeador, Tommy Gunn, aparece querendo Rocky. De treinador. Rocky esquece o filho e gama no seu pupilo. Tenta repetir com Tommy o que Mickey e Apollo foram para ele, diz que deveriam ser mais unidos, dá presentes… Mas o jovem o trai e eles acabam resolvendo seu caso numa briga de rua na porta do boteco – bem barraco!
O sexto filme é de um Rocky, agora viúvo de sua mulher Adrian, já entrando na terceira idade e que vive das memórias. Porém agora é ele que corre atrás do filho querendo atenção, já o Jr. vive com invejinha pelo sucesso e popularidade do pai. Detalhe: a necessidade de afirmar e reafirmar sua masculinidade fica evidente uma vez que ele batiza seu restaurante de Adrian’s, em homenagem a falecida. No entanto, passa o tempo inteiro contando sobre suas lutas, seus homens adversários…
Como não sabe fazer outra coisa, Rocky resolve voltar a lutar e o campeão do momento, Mason Dixon, sofre de falta de popularidade, que sobra ao italiano. Sopa no mel. O velho contra o novo, algo como: vamos medir quem tem o instrumento maior… Igual no filme anterior. O absurdo é que o velho Garanhão vai até o último round e, ao final da luta, sem vencedor, é bonitinho também, ele diz ao Mason “você tem coração!”. E todos ficam felizes!
Mas não acabou. Seu caso mais antigo deixou um fruto, outro “deus grego”: Adonis Johnson, filho que não conheceu o pai Apollo Creed. Peraí, Adônis na mitologia grega era um jovem de grande beleza que nasceu das relações incestuosas que o rei Cíniras de Chipre manteve com a sua filha Mirra. Vou falar uma coisa, hein, quem escolhe esses nomes para as personagens… Bom, é um novo pupilo para um Rocky velho e sozinho, como um lampejo de furor, um lampejo de Apollo Creed…
Acho que Stallone não fará outro filme, mas o duro é que nada disso teria acontecido se a saga de Rocky e Apollo começasse hoje. Atualmente não teria qualquer problema entre os dois para assumirem, não precisaria das esposas, não precisaria de todo esse cenário. E talvez Balboa tivesse uma vida mais realizada.