Toda vez que chegamos à Páscoa é assim: fico me perguntando o que teria acontecido de fato. Lembro a música de Raul Seixas – cantor e compositor do qual sou fã desde a adolescência – “Judas”, e mais uma vez me pergunto, não será isso mesmo? Judas não teria sido o escolhido para encenar com um beijo a trama mais secreta de Deus?
Deus é grande, é bondade, é compaixão, é amor, é perdão. Deus olha por todos, sabe o que ocorre com todos e pode interceder por qualquer um. Ao menos é o que diz a crença. Então, por que deixaria suceder o que aconteceu no Monte das Oliveiras? De mais a mais, tomando o ponto de vista adotado por Raul na sua canção, por que marcaria um seu semelhante, Judas, com a pecha da traição para a eternidade? Teria tal homem cometido pecados tão perniciosos e nocivos? Seria ele pior que Pôncio Pilatos ou Herodes, por exemplo? E Iscariotes de fato não agüentou toda a pressão, tanto que após trair o Senhor enforcou-se.
Seria Judas tão pior que o próprio apóstolo Pedro? – que é tantas vezes citado nos livros sagrados. O São Pedro, pescador de almas que tanto faz chover em São Paulo, é mencionado 23 vezes no evangelho de Marcos, 24 no de Mateus, 27 no de Lucas, 39 no de João, e não menos de 182 vezes no Novo Testamento; foi a pedra fundamental onde se edificou a igreja cristã, tendo ele como seu primeiro papa. Apóstolo de inegável liderança, por outro lado, negou Cristo por não menos de três vezes em poucas horas na madrugada da sexta-feira da paixão, isto é, logo após a prisão de Jesus. Ah, é verdade, ele fez isso para se safar apenas…
Outro assunto que me intriga é: o que teria feito o filho de Deus no tempo em que esteve no deserto, período em que, reza a lenda, o Diabo o tentara por três vezes somente? Só mente quem quer esconder algo, em geral. O que teriam para esconder os escritores do Novo Testamento para omitir esse e outros pedaços da vida do Salvador? Será que o Messias não poderia ser humano e, como tal, realizar coisas mundanas como se apaixonar por Madalena? Será que resistiu à tentação, ou essa foi a maneira de os fundadores da igreja o mitificarem?
Outro dado que me intriga é: como alguém que transforma água em vinho pode ser tão santificado? Se assim for, Cristo deixa Baco e Dioniso no chinelo!
De toda forma, quem teria coragem de recusar um pedido de Deus? Ou de seu filho? Que tarefa seria mais difícil – haveria trabalho mais pesado? – do que servir de traidor do Senhor? A quem você pediria, se fosse necessário e possível, o desligamento dos aparelhos que o mantém vivo? Certamente, não seria a um qualquer que estivesse passando… Aliás, as coisas mais difíceis sempre pedimos aos entes mais próximos a nós, não só por serem os que nos atenderiam, mas também por serem os que nos entenderiam. E na quarta-feira, quando Jesus jantava com os discípulos e anunciou que seria traído, deu o pão encharcado em vinho à Judas – e tal gesto era sinal de predileção nos costumes da época.
Como diz a música “Parte de um plano secreto amigo fiel de Jesus, fui escolhido por ele para pregá-lo na cruz. Cristo morreu como um homem, o mártir da salvação, deixando para mim, seu amigo, o sinal da traição.”