Ao contrário de muitos migrantes da capital, sou de uma cidade que se considera urbana. Nós, cariocas, talvez pela corte perdida, sempre nos consideramos algum tipo de exemplo de urbanidade do Brasil. E, de fato, a densidade de edificações carioca as vezes assusta, principalmente quando se está longe dos horizontes que descansam o olhar. Por isso, ao chegar a São Paulo, estranhei estes recônditos interiores que se escondem entre um bairro e outro. Em um destes bairros, que localizei logo em minha chegada, quedei-me até hoje: Aclimação.
O primeiro motivo que me assentou foi o motivo mais óbvio, tinha cá para mim que precisava instalar-me próximo a um parque, afinal isto seria o mais próximo de uma praia que eu teria em terras paulistanas. E o Parque da Aclimação cumpria este papel muito bem. Mas descobriria, na verdade concomitantemente, que o bairro me reservava muito mais que uma área verde.
Algo que me chamou a atenção, eram as casas e palacetes que se distribuíam nas ruas que se cruzavam por entre o labirinto das descidas e subidas do bairro. Era simplesmente incrível que um bairro ao lado do Centro e da Paulista pudesse permanecer bucólico mesmo com uma vizinhança tão agitada. Algo inimaginável até para um carioca. Mas o fato é que esta era apenas uma das peculiaridades deste recanto.
Incrustado entre Liberdade, Cambuci, Paraíso e Vila Mariana, Aclimação ainda é um bairro de vendinhas e quitandas que oferecem produtos pitorescos e um estilo de vida que está cada vez mais escasso. Aqui na rua Muniz de Souza, por exemplo, tem uma avícola, um comércio que vende exclusivamente frangos e galinhas inteiros ou em partes, além de ovos. O gosto, perdoem-me os veganos, é fresco e tem sabor de granja. Na mesma Muniz de Souza tem o mercado de grãos da Dona Laura, onde descobrimos que o arroz integral tem um sabor particular especial por conta de uns pedaços vermelhos crocantes. Quando cheguei a São Paulo, ainda tinha os pães da Padaria Fluminense que, segundo falava-se, eram feitos ainda em fornos à lenha na época. Hoje, sem dúvida, não mais, mas se você seguir toda vida rumo ao Cambuci, entre os haitianos e africanos que se acotovelam nos bares para ver o final da Champions League, vai encontrar uma das padarias italianas mais antigas do bairro.
Na Maracaí, até pouco tempo, tinha uma loja de fantasia que deu lugar a um hub de crossfit. Não confunda com a loja de apetrechos carnavalescos que chega gente do Brasil inteiro, Rio incluso, para adquirir peças para enfeitar o carnaval do país afora. Entrando pela Liberdade, após passar os comércios e serviços populares de frete, marceneiros, estofadistas e profissões liberais de todo o tipo, chega-se a lojas de artigos japoneses variados, incluso uma livraria na Galvão Bueno com livros exclusivamente das línguas do oriente.
Os botecos são um capítulo à parte, um deles, o Juriti, oferece petiscos dos mais diversos para acompanhamento da velha e boa cerveja gelada, além das tradicionais batidas. Pode-se escolher entre degustar uma rã, uma codorna ou frutos do mar variados, incluso ostras vindas do Litoral Norte. Na outra ponta do bairro, pode-se degustar uma costela na preguiça do domingo no bar da Safira de uma senhora. O bar é tão exclusivo que sequer apareceu no Google na minha pesquisa. Há também os mais ou menos chiques, mas estes há em toda a parte, não é verdade?
Mas saindo do fora do comum, há também o comércio regular que, a bem da verdade, está cada vez mais escasso nas ruas da cidade, escondendo-se cada vez mais em Shoppings. Na Lins de Vasconcelos, as lojas se distribuem ao longo da avenida e oferecem um pouco de tudo, de brinquedos, roupas, chocolates às inúmeras opções de comida. Incluso o Yokoyama, que é o mais próximo do tradicional pastel de feira que você encontrará em uma loja formal. A própria Aclimação também tem suas opções, além do Hirota que é o mercado que oferece sortimentos orientais típicos do bairro, misturados às necessidades triviais do dia-a-dia.
Porém, toda esta sensação de vida de interior não estaria completa se não acordasse todos os dias com os passarinhos cantando em um clima bucólico numa casa em uma esquina de uma rua sem saída e com quebra-molas (é mais “interiorano” que “lombada”) e pensando que, sim, existe “interior” em São Paulo, em plena capital.
2 Comentários. Deixe novo
Aclimação é um charme! Como sugestão, poderia dar uma observada nas várias origens de sua população ao longo dos anos! É tão rica quanto variada… Abraço de um morador nato da Aclimação!
Fala aê Marquinhos, beleza de crônica… Abraços.