Lá no Morro de São Carlos, em plena Estácio, berço do samba, nasceu e viveu Luiz Carlos dos Santos. Seu pai, Oswaldo Melodia, Queria que ele fosse doutor. Por sorte, desobedeceu seu velho. A desobediência sem dúvida é um dos maiores motores da humanidade. Forte feito cobra coral.
Talvez fosse mais fácil se optasse pelos estudos, ou talvez não, mas o fato é que antes de ser conhecido pela melodia, foi tipografo, vendedor, caixeiro e, enfim, aqueles músicos que tocam em bares noturnos que mendigam um minuto de sua atenção. Somava as dificuldades de ser músico a de ser favelado e negro. Tente passar o que ele passou, usar as roupas que usou… uma pérola negra.
Luiz Carlos dos Santos viveu naquele tempo da emancipação da negritude. Veja bem, o samba foi uma das primeiras fronteiras culturais do orgulho negro no Brasil, mas os anos 60 trouxe um mundo inteiro de possibilidades, literalmente. Influenciado pelo movimento negro americano, nossos subúrbios e periferias ganharam muito mais que uma musicalidade, ganharam uma nova atitude. O negro poderia ser do samba sim, mas ele poderia ser mais que isso. No caso , poderia ser swing, melodia, rock, funk. Poderia ser gato.
Se fomos influenciados, também influenciamos, com o movimento Black Rio, mas sobretudo com essa tropicalidade que não se cansava em antropofagiar as influências externas e as recriar da forma que fossem. A música negra brasileira era, é, sempre foi, mundial. Mesmo, ou principalmente, aquela do Estácio.
Companheiro de alguns dos nomes mais proeminentes da música, na época popular, como Wally Salomão e Torquato Neto, lançou-se para o sucesso definitivamente nos anos 70. Seu estilo não era samba, não era rock, não era swing, mais uma mistura que não se circunscrevia a brasilidade, era mais que isso. Luiz não era um catalisador, era uma matriz de uma força descomunal. Transcendeu qualquer movimento, rótulo, gênero. Foi melodia. Sua obra vale quanto pesa. E se alcançou a perfeição logo de primeira, o resto foi sequencia, continuação, prolongamento.
Mais importante do que ele era, talvez seja o que causou. Quem me apresentou ao Melodia foi ela, minha mãe. Sempre ela. Dentre os sambas, chorinhos e canções, lá estava Melodia a cantarolar na caixa de som. Mas o momento que Luiz Melodia despertou de vez em mim foi um pouco depois, na trilha do filme Como Nascem os Anjos. Em um final bruto e sem significado, a dramaticidade de Magrelinha nunca fez tanto sentido. Sim, o sonho continua, vem sempre de um dos lugares mais distantes terra dos gigantes Super Homens.
E eu, apenas mais um super carioca,assim que cheguei em São Paulo, lembro de um relato de uma conhecida que admirava o Ébano. Tanto que na sua primeira viagem ao Rio queria conhecer o Estácio. Qual foi sua surpresa quando chegou no local e deparou-se com… Estácio de Sá. Não conseguiu enxergar a tal beleza mortal que o bairro adquiria na sua música. Não tiro sua razão, o artista as vezes enxerga camadas da realidade que as demais pessoa não alcançam. Daí sua extrema importância.
Ano após anos, os artistas que marcaram nossa vida vão indo. Outros chegam. Mas os tempos são outros. Será que o pôr do sol vai renovar de novo o seu sorriso?
2 Comentários. Deixe novo
Triste pela partida de um artista como luiz Melodia e ao mesmo tempo feliz por estar diariamente em contato com este poeta chamado Bogado Lins, que “enxerga camadas da realidade que as demais pessoas nao alcançam.”
Parabéns pelo belíssimo texto!
vlw mestre obrigado por prestigiar meu texto grande abraço