Somos fascinados por histórias e estamos sempre buscando nos refugiar do nosso cotidiano em narrativas. Aventuras que nos lembrem que a vida pode ser incrível, mesmo que apenas no nosso interior mais intimo. Cada vez mais porém, a velocidade dos acontecimentos e da nossa dispersão nos torna ainda mais exigentes diante de uma nova história.E por conta disso, o cinema se tornou um eterno looping narrativo. Por que? É uma longa história…
Desconfio que muito mais que histórias, estamos em busca de personagens,pessoas enfim, com seus sentimentos, problemas, desafios, complexidades e genialidades. São eles que nos cativam e nos atraem para dedicarmos horas de nossa atenção. E convenhamos, a quem você dedicaria 2h de seu dia para dedicar seus ouvidos? Um amigo de longa data ou um completo desconhecido? Afinal, o que filmes como Star Wars, Vingadores, Harry Potter e 007 tem em comum?
Sempre gostamos dos filmes que vemos? Não devo ser o único que na grande maioria das vezes sai insatisfeito do cinema, com um leve desconforto intelectual. Star Wars? Convenhamos, se não fossem os personagens que nos encantam a décadas o que sobraria do filme? Um looping revisitado adaptado ao séculos XXI. Harry Potter? Daria para diminuir para uns três filmes da série. 007? Não via antes e nem verei agora. Vingadores? Bom, o último é incrível, mesmo assim a maior parte dos filmes é praticamente puro entretenimento e uma sequencia para o próximo e para o próximo, até hoje e amanhã, inclusive o último.
Talvez eu seja um pouco crítico, sim, crítico até demais. Os fãs continuam amando todos esses, uns mais que os outros, é verdade. E eu? Bem, continuo acompanhando a maioria das sagas, algumas com muito gosto. Qual é o truque? São universos narrativos, sobretudo personagens, que conhecemos sua trajetória, particularidades, fortalezas, fraquezas e ambiguidades. Mais que um início, um meio e um fim, trata-se de mitologias construídas com caminhos narrativos incompletos que podem ser preenchidos a qualquer momento. E claro, personagens absolutamente encantadores. Assim, cada vez que ocorre esse preenchimento de forma “oficial”, os fãs, e até mesmo nós que nem somos tão fãs assim, nos sentimos impelidos a saber cada detalhe que vai acontecer. Como uma celebridade, um reality show, quem sabe aquele amigo da faculdade que você não vê a séculos.
Estamos falando de um universo autoreferenciado. Essa é a dica, o que faz a mágica acontecer. Claro que uma boa história ajuda, e muito. Não a toa, uma das franquias com mais potencial, a DC, se perdeu em roteiros pífios, verdadeiras imitações baratas, Mas não se trata apenas de histórias, mas de lembrança, memória, e o suspense do que acontecerá depois. Essa intimidade que só a longa amizade gera entre as pessoas.
Porém, o afeto não é tudo, o mergulho nos desdobramentos das narrativas cria um certo tipo de orgulho de conhecer profundamente o universo, um tipo de especialista que ganha o seu destaque, seja na análise dos universos em vídeos, quiçá em veículos oficiais ou oficiosos, seja entre seus pares. Sabe os acadêmicos de literatura que analisam profundamente clássicos enfurnados nos ambientes professorais? Sim, mas com uma diferença, a imensa maioria o faz por pura paixão. Não duvidem, logo, logo, teremos uma universidade geek a analisar, avaliar e endossar heróis, vilões e universos fantásticos.
Mas afinal, o que aconteceu com os novos personagens, tramas, histórias que antigamente enchiam as salas de cinema? Os recordes de bilheteria escondem uma verdade inconveniente para a indústria. Cada vez mais, a sala escura perde o seu espaço no coração e nas mentes das pessoas como opção de consumo de narrativas. Pouco a pouco, as séries vão roubando esse espaço na elaboração de novas histórias. A demanda de preenchimento das grades televisivas e, recentemente, de streaming, obrigam as emissoras a explorarem novos universos e correrem riscos, que atualmente os Estúdios se eximem cada vez mais.
E qual a solução para continuar fazendo sucessos de bilheteria? Unir um universo familiar aos espectadores a uma experiência visual que atualmente só o cinema ainda pode oferecer. Ainda, porque muito em breve a realidade virtual promete uma nova experiência, sem sequer precisar sair de casa. Fico me perguntando o que poderá salvar o cinema nesse cenário. Quem sabe voltar a contar boas histórias? Quem sabe voltamos a nos encantar em conhecer novos personagens na salinha escura contando boas histórias?