4 anos repetindo! 4 anos sendo o exemplo! 4 anos ensinando errado!
Como eu, professor de Língua Portuguesa, formado há 11 anos com 20 anos de experiência no ensino… como pude fazer isso e sem me dar conta…
Pois é, foi assim que me senti dias atrás fazendo aquele trivial processo de elevação interior, de sublimação, de busca do nirvana da paciência ao dar comida para meu filho de 2 anos e meio e para minha filha de pouco mais de 4 anos e meio – sim, os números me assustam! Eles começaram a comer, ou antes, receber comida aos cinco, seis meses de vida, é muito tempo. A indignação comigo mesmo não cabe em palavras…
“Bocão?!”
“Abre o bocão!”
“Mostra o bocão pro papai!?”
É, eu sei, não me conformo! Na fase de maior neuroplasticidade cerebral, de aquisição de linguagem, de imitar os modelos, de aprendizado da língua materna, o pai professor dessa língua comete uma gafe dessas! Uma gafe não, um descalabro vernacular!
Bocão!?
Tantas vezes sofro tentando fazer que meus alunos de 13 anos de idade para cima assimilem a norma padrão da língua, afinal em boa parte de suas provas e processos seletivos serão avaliados pelo uso e domínio dessa variedade e me pego nesse cadafalso: ensinando meus filhos, meus próprios filhos que uma boca grandemente aberta ou que uma boca ampla para comer é um “bocão”. Tão mais macio, breve, sonoro, maternal… Já bocarra é quase uma bronca, um esbravejar, quase um escarro, sei lá, não é marra, são oclusões vibrantes demais. Socorro!
Mas que fazer? No momento que vislumbrei minha escabrosa incongruência entre o profissional professor e o pai professor, passei por prementes minutos de surdo aprisionamento na peregrinação de uma postura providencial para que pudesse suportar meu exemplo de língua paterna. Senti um longo fricativo na mente.
Puro preconceito linguístico.
De toda forma, entre uma colherada e outra garfada, fiquei pensando como poderia ensinar o aumentativo erudito de boa, para duas crianças – e fazer as pazes com a paternidade professoral – de modo que não soasse artificial ou esvaziado de sentido e, claro, que eles aprendessem.
Primeiro tentei um “bocarra” tão natural – na medida do possível – quanto os vários “bocão” de sempre e meu filho instantaneamente: “o que é bocarra?” Respondi é uma boca bem grande. Fácil. Mas ele não abriu.
Foram segundos de tensão.
Minha cabeça era só ruído de cigarra!
Sim! Sonoridade!? Ah esse meu lado poeta – ok, menos… Num passe de mágica explodiu: “abracadabra abra bocarra!”
“O que é bocarra?” – boca bem grande!
Voilà!
Paulo Roberto Laubé, às vezes jornalista, às vezes professor, às vezes poeta
1 Comentário. Deixe novo
Amei!!”abracadabra abra a bocarra”. Sonoro, sem dúvida. E assim este pai fez as pazes com esse professor.