

Era o começo do isolamento físico, terceiro dia, mas já me sentia um tanto entediado – e escrevo isso com um enorme arrependimento: mais de sessenta dias depois, tédio não é a palavra… E entre cuidar de filhos, planejar aulas, encarar as incertezas, mas cheio de otimismo de que seria fase passageira, até curtindo um pouco sair da rotina, disposto a dar conta de tudo enquanto minha esposa já estava na luta contra os primeiros casos de pacientes com covid-19, tive que ouvir da minha filha: “eu quero a mamãe!” – disse sem culpa, sem a menor vontade de me magoar ou desprezar este pai aqui que tenta há tanto tempo dar conta de tantas tarefas sem surtar.
Foi fruto de uma negativa que sequer recordo o motivo, bastou para que soltasse a frase. Mesmo assim, as minhas primeiras sinapses percorreram aqueles caminhos da autocomiseração e também cobrança: poxa vida! Eu ralando (três dias! mal sabia o que estava por vir…) para fazer o que sei e o que não sei, ser pai, professor, recreador, cozinheiro, etc, e ainda tenho que ouvir após preparar tudo que ela pediu ao longo do café da manhã do jeitinho que gosta que quer a mãe, é de doer…
Como ainda gozava de equilíbrio e resiliência, a resposta veio rápida e até serena – sim, as sinapses foram mais longe: também quero a minha mãe! Óbvio, quando se é filho, pelo menos na casa da minha mãe, por mais que eu tentasse, a maior parte de tudo que precisa para uma “casa” andar era ela quem fazia. Muitas dessas coisas só fui fazer pela primeira vez quando casei. E muitas dessas coisas ela nem deixava que eu ou minhas irmãs a substituíssem, ainda que fôssemos plenamente capazes. Coisas de mãe! E, naquele instante diante da minha filha, eu pensava quão bom era ser apenas filho e não dono de casa e pai.
Foi assim contrariada que minha pequena deixou a cozinha para brincar enquanto o pai havia de encarar a louça suja para lavar e já pensar no que faria para o almoço. É curioso, estávamos apenas no terceiro dia de isolamento mas quase tudo que é de feira ou mais perecível estava no fim, afinal não prevíramos permanecer em casa tanto tempo tantos dias: não tinha salada, por exemplo. Abri a geladeira, a despensa, como manter uma alimentação minimamente balanceada para duas crianças nessa situação? Na nossa rotina, essa função cabe em parte à escola visto que elas passam o dia inteiro lá, somente café da manhã e jantar em casa. Mais uma vez pensei: também quero a minha mãe…
Mãe parece que sempre sabe o que fazer, não sei se meus filhos acham isso de mim, mas acredito que por querer dar conta do recado, ser um pouco controlador, devem pensar sim. Espero. Como filho isso costumava ser reconfortante, dava uma segurança, até uma folga… E pá! Nessa viagem na cozinha, olhei para as latas, elas olharam para mim, bateu aquela vontade de comer do jeito que minha mãe fazia: salada de milho de latinha e ervilha de latinha. Tremendo quebra-galho!
Aquela foi uma manhã de sentimentos contraditórios porque ao longo de toda a minha infância e adolescência eu torci o nariz para essa “salada”. Toda vez que minha mãe apresentava esse prato, eu lembrava que era muito mais carnívoro que qualquer outra coisa (sim, todo mundo já foi ignorante um dia, alguns até quando presidentes). E aqui cabe um par de mea culpa: primeiro aprendi na tenra infância, pelo senso comum, que gostar de carne e comer todas as suas variações guiado pela gula era ser carnívoro, hoje reconheço a ignorância disso; segundo, era uma mentira na época e continua sendo hoje, se for para definir o que sou mesmo é viciado em pó! Sim. Desde a mais tenra infância meu negócio é toda e qualquer coisa com açúcar: geléias, doce de leite, bolos, tortas, brigadeiro, quindim, pavê, etc.
Agora que todos os “formigas” ficaram com água na boca, voltemos à saladinha. É incrível como me deu vontade de comer aquilo, eu mesmo estranhei! Pior que não sabia fazer. É, sou uma besta para cozinhar, não que essa salada precise cozinhar, né?! Tive que ligar para minha mãe e explicar que eu estava com vontade de comer algo de que nunca fui muito fã – é sério, fiquei com uma baita vontade! – para ela me ensinar. Bom, depois do hilário de eu não saber fazer uma comida que praticamente se resume a abrir latas e temperar, mãe é mãe, deixei-a toda comovida.
Essas coisas de pais e filhos, mudar os papéis, as nossas memórias afetivas e as experiências com as quais nos deparamos na criação dos filhos, falta braço para dar a torcer… Ao mesmo tempo, com o medo do espalhamento da covid-19, aquele rápido papo despretensioso foi como um carinho elogioso e nem era mês das mães ainda como agora.
No almoço, as crianças comeram e até gostaram sem muito entusiasmo, já eu comi com gosto! E com um baita gosto de nostalgia, de “quero a minha mamãe!”
Eu não devia dizer, mas essa quarentena, mas esse mês das mães, botam a gente comovido como o diabo.
Paulo Roberto Laubé
2 Comentários. Deixe novo
Então….você fez uma mãe chorar hoje. Adorei o “quero a minha mãe”.
Eu também quero a minhaaaaa!!!! E espero que minha filha também queira!