Lembro de brincar com a minha irmã de copiar fábulas de La Fontaine de uma edição em versos que tínhamos em casa e de um livrinho de poemas, de que não lembro, em cadernos universitários – de adulto! – que havíamos ganhado. Devíamos ter uns sete ou oito anos. Fazíamos isso como uma brincadeira e competíamos para saber quem escrevia mais bonito. Óbvio que eu quase sempre perdi. Eventualmente, com muito esmero, ou por condescendência da minha irmã, chegávamos à conclusão de que eu ganhara. Embora ela fosse um ano mais nova, desde cedo fora o exemplo de dedicação e esmero a tudo que fosse ligado à vida escolar de uma criança, inclusive na caligrafia. Já eu…
Na quinta série, chamou minha atenção no material escolar logo no começo do ano letivo uma pasta de “Técnicas de redação”. Havia folhas com temas e propostas variadas, de que não lembro uma sequer – mas lembro da pasta! Era bonita e o nome, no auge dos meus 10 anos, me soava pomposo: agora eu dominaria “técnicas”! Sinceramente, não guardo qualquer recordação das produções realizadas naquele ano.
Por volta dos 12 anos, uma poeta professora de Língua Portuguesa – grande Lúcia Helena que até lembra essa passagem – desaferrolhou o escritor que estava dentro de mim, ao apresentar um singelo poema de forma fixa de origem japonesa, o haicai. Todos os alunos escreveram e alguns selecionados puderam concorrer com outras escolas do Brasil para uma posterior publicação no Japão. E não é que eu cheguei lá?! Quer dizer, meu haicai. Eu fiquei por aqui mesmo. Ela não sabia e muito menos eu, porém foi esse episódio que liberou a tranca que me apartava daquele mundo da poesia, como criador, e não apenas como leitor ou copiador.
Escrevi a primeira carta para uma garota nessa época. Recebi os pedaços rasgados algumas horas depois… é, faz parte, quem nunca?!
Dois anos depois descobri na estante da minha mãe um tal Estrela da vida inteira que folheei muitas vezes, até escrever o primeiro poema para uma garota. Ok, havia uma certa cópia de uma ideia aqui ou ali, ou talvez uma emulação inconsciente. Que atire a primeira pedra quem nunca seguiu modelos. Foi um aprendizado, era um começo, os primeiros passos para alguém que não cabia mais nos haicais. Não por eles, mas sim por um ímpeto de voar… Afinal o ano anterior, fora de mudanças, o primeiro beijo, trocas de cartas de amor sem rasgos… E muita conjugação de verbos com o saudoso Professor Waldir que fui reencontrar fortuitamente décadas depois para uma conversa com olhos rasos d’água: eu, professor de Língua Portuguesa como ele, na escola em que ele me deu aula, sendo professor de redação de seu neto! (Detalhe: entrei como professor para “pegar o bastão” da professora Lúcia Helena…)
No primeiro ano do colegial, uma fantástica professora de Literatura – Malu -, que seria escolhida paraninfa da turma na formatura dois anos depois, aumentou ainda mais as chaves para a poesia, a música e as diversas manifestações literárias. Tenho até hoje o poema que escrevi em uma atividade que se resumiu a dar vazão ao que viesse à cabeça ouvindo músicas da trilha do filme Blade Runner, o antigo. Aliás, confesso, já repeti isso com meus alunos e sempre menciono a minha experiência naquela aula inesquecível.
Foi neste ano que eu com mais dois amigos formamos uma banda. Melhor dizer uma proto-banda, um projeto, sei lá. Um deles começou a aprender violão, o outro percussão e eu, bem, só tocava… ficaria com o microfone. Ser vocalista não deu certo. Por outro lado, compor as letras foi mais uma destravada.
No último ano da escola, mais uma “criatura” professora – Marlene, irmã da Malu – fez quebrar outra amarra: defender ideias e argumentar por meio da escrita. Era o vestibular mais uma porta a ser aberta. Nessa época ainda queria ser poeta. Já me sentia um letrista. Fiz Jornalismo e lá destranquei inúmeras técnicas de redação e escancarei o escritor. Uma professora – Flamínia – lia todos os poemas que eu apresentava a ela ao final das aulas e me incentivava a escrever mais.
Depois, cursei Letras, e fui abrindo muitas e muitas poéticas!
Também fui livreiro na maior livraria do Brasil e pude ter nas mãos incontáveis portas, janelas, para um universo de cultura escrita. Conheci o Bogado Lins nessa livraria e criamos o blog Literatura Cotidiana há mais de dez anos.
Hoje sou professor. Quem sabe daqui muitos anos venha a ser lembrado por ajudar a abrir a porta.
Paulo Roberto Laubé
14 Comentários. Deixe novo
Que alegria ter contribuído para sua formação , mas como vc bem lembrou: o início foi dentro da sua própria casa! Tenho um orgulho muito grande de vc e não só porque escrever bem me sensibiliza, admiro o cidadão que vc é , comprometido com valores que aprecio. “ Ah! Se todos fossem iguais a vc, que maravilha viver…”. Verdade mesmo! Te amo, meu inesquecível pupilo!
Poxa, professora… muito obrigado mesmo!!!!
E é com muito carinho que reafirmo: com certeza contribuiu muito para minha formação!!!!
Grande colega de trabalho e referência de valores humanos, que maravilha conhecer um pouco da história de vida que o transformou em quem você é hoje. Tenho total certeza de que você inspira seus alunos tal qual já foi inspirado por seus professores. Neste mundo, meio virado no avesso, ler seus textos traz alegria pra alma da gente e lembra que ainda existem pequenas coisas imensamente significativas na formação de um ser humano.
“Pequenas coisas imensamente significativas” – uma bela antítese ou uma bela síntese!?! Valeu, Rosa!!
Paulinho, que pena que naquela época não trocamos mais dicas de livros e ideias! Cada um no seu grupinho, e eu nem sabia que vc gostava tanto de escrever naqueles tempos. Pelo menos agora a gente mantém contato!
Adorei o texto e as lembranças todas! E continue escrevendo. Beijão
Acho que nem eu sabiaque gostava tanto de escrever… mas olhando para trás a semente estava em franco desenvolvimento!!
Um lindo poeta atrás da porta! Mencionou nomes que foram relevantes para minha escrita também… professora Lúcia Helena, professor Valdir… parabéns pela descoberta, maninho!
Grandes mestres!!
Fiquei tão emocionada!
Sei bem o que você quer dizer e afirmo, com convicção, que você, jovem assim, já começou esse lindo legado. Veja Jaque, Flora…..
Orgulho de conhecê-lo. Que possamos trabalhar juntos!
Estou na busca de fazer jus ao “bastão” que me foi passado!
Pois é, né, não tivemos a oportunidade de trabalhar juntos ainda que na mesma escola… Vamos torcer, vai que…
Conheço, posso dizer bem, o ser humano especial que criei, hoje me deparo admirada e orgulhosa do poeta que nasceu. Sim porque técnicas se aprendem, pessoas inspiradoras nós impulsionam, mas o dom recebemos do infinito, podemos esquecê-los nas turbulências da vida ou aproveitá-los dividindo e enriquecendo as vidas, própria e de outros. Parabéns por esta vida contada em verso e prosa. Muito emocionante . Parabéns!
Valeu, mãe!!!!!
Parabéns Paulinho, saudades do nosso tempo em que você era solteiro e bebia vinho comigo no Centro Cultural. Não sei se lembra de mim, mas saiba que você marcou minha vida assim como esse texto. Não sei se está vacinado, mas te convido a me visitar. Abraços!
Parabéns Paulinho, saudades do nosso tempo em que você era solteiro e bebia vinho comigo no Centro Cultural. Não sei se lembra de mim, mas saiba que você marcou minha vida assim como esse texto. Não sei se está vacinado, mas te convido a me visitar. Abraços amigo!