

AVISO: este apresenta severos SPOILERS!
Cena do primeiro momento após o sequestro: ele a joga na poltrona e ela já cai artificialmente em posição de quem vai receber uma “investida” e não vai dar uma “invertida”. Fim. É a síntese das quase duas horas… Isso porque a personagem vítima acabou de acordar em um lugar desconhecido e se vê diante de um homem que se declara seu sequestrador e quanto a deseja de forma, digamos, veemente – para sair do termo abusivo. Devo dizer que não pesquisei sobre nenhum profissional do filme para que fizesse este texto da forma mais sincera possível, porque foi difícil acreditar…
Então temos um modelo-ator bonito o suficiente para cumprir o papel-clichê do amante italiano e que também é chefe da máfia. E tudo começou porque ele teve uma visão de uma mulher – a vítima – quando seu pai é morto por um tiro que o atravessa e atinge também Massimo Torricelli, nome do vilão-galã, que passa a buscar encontrar a garota da visão (Laura Biel) e, quando a encontra, termina seu relacionamento com Anna, sua namorada até então, e sequestra Laura. Sim, é isso.
Primeiro momento do raio romantizador: sei lá o que acontece quando se toma um tiro ou quando o pai morre assassinado na frente do filho com um tiro que o atinge também, mas, ao viver isso, o bonitão tem a visão de uma jovem mulher que nunca viu na vida e sente enorme desejo?
Laura é a jovem mulher polonesa e o enredo tenta criar uma predisposição, anterior ao sequestro, devido à insatisfação sexual no relacionamento em que era também desprezada, para relativamente em pouco tempo entrar no “jogo” de sedução a que é submetida. Ruim por si, tal fato contraria o início do filme em que Laura é apresentada como uma profissional determinada e que não se acanha frente a manifestações machistas no ambiente de trabalho. Ok, essa contradição não é incomum.
“Para tudo!”
É, aqui temos o segundo raio romantizador: pô! ela foi raptada!? É um sequestro! Porém o desenrolar da trama faz parecer que é mais um jogo de… uma versão polonesa de 50 tons de cinza e 9 1/2 semanas de amor, com resquícios de Uma linda mulher, ou Cinderela mesmo.
Ela aceita muito facilmente a situação. Massimo concede o uso de celular e computador, no entanto Laura liga para a mãe e inventa uma história de que arrumou um emprego. A primeira hora do filme passa com a sequestrada fingindo estar no comando – no módico âmbito de sua relação com o sequestrador -, simplesmente “brincando” e adiando o que, o tempo todo, o roteiro faz crer que ela quer: se entregar ao poderoso-chefão-macho-alfa-amante-italiano-vilão, ufa! Não sei se completei o estereótipo todo…
A brincadeira toda é muito inverossímil. Ele, Massimo, com o poder que tem, tanto quanto o histórico violento que faz crer e com este nome escolhido a dedo. Ela, Laura, tão pretensamente altiva como mulher, quanto submetida à situação, a ele e com vitoriosa no nome. Só não dá para chamar de comédia romântica porque tem cenas de sexo, nus e, por trás de todo o élan, temos a Síndrome de Estocolmo, ou a Síndrome de Lima, tanto faz.
Aliás, a questão da liberdade da mulher frente aos padrões de gênero e ao relacionamento abusivo por natureza em que se encontra fica muito controversa uma vez que Laura nunca está realmente em condição de igualdade: ela era “necessitada” desde antes; ele é o estereótipo “Massimo” do homem garanhão e abusador: “macho-alfa” como ela mesma diz para amiga em Varsóvia em determinado momento.
É até clichê: ela é a mulher infeliz que quer aventuras, aventuras sexuais, se sentir valorizada sendo adulada e satisfeita sexualmente; ele é o siciliano “poderoso chefão” da máfia que quer se redimir, aprender a ser gentil com uma mulher, porque está acostumado a mandar e ser obedecido, ou usar seu poder para forçar a ser atendido.
1h21 de filme, ele fala de costas que a ama ao mandá-la para Varsóvia no momento em que parecem estar se acertando.
1h35, ela diz que não precisa de 365 dias e que o ama e ele a pede em casamento ao amanhecer.
Massimo falou primeiro, Laura venceu. Quer mais?
Ele sempre reclama das roupas provocantes, não gosta e justifica no sentido de proibir que “pareça uma prostituta”.
A única “agraciada” com “serviço completo”, uma relação sexual digna de filmes de outro gênero, é Laura. Com as outras, ele se limita a obrigá-las a realizar sexo oral. Não é lindo?
1h43, ela assume para a amiga que vai casar e que está grávida. Revela-se ao espectador que tudo se passou em dois meses. DOIS! A amiga indignada: “você está presa, é uma gaiola de ouro!”, “tem que contar a ele que está grávida!”
No final ela é morta por uma “família” rival de Massimo, provavelmente de Anna, a ex-namorada do mafioso macho-alfa… Como se tivessem pegado todos os filmes de máfia e filtrado algumas vezes, decantado outras e por fim adicionado uma boa porção de apelo sexual e da iconografia dos filmes do gênero romance com “star-crossed lovers”.
Outro aspecto, da direção feminina do filme talvez (não pesquisei a diretora), é o fato de aparecer o nu masculino muito mais que o feminino. Ainda que haja muitas cenas ousadas sem nunca nus frontais completos, a bunda do protagonista e os elogios a seu corpo são constantes. Cabe ressaltar que o filme não precisa de mais de 5 minutos para ser reprovado no Teste de Bechdel. Dá pra entender?
Assim, tentando responder a pergunta do título, com toda a possível leviandade de um homem branco hetero que já se demonstrou aqui, este filme é feminista só se for para mostrar o quanto a mulher pode verbalizar que não é um objeto e se utilizar de sua sensualidade para conseguir ser bem tratada em um relacionamento abusivo. Da mesma maneira que Laura escapa furtiva e aleatoriamente de seu sequestrador vez ou outra, escapa também aqui e ali uma ou outra frase afirmativa sobre as mulheres. E só.
Há mais a falar do filme além de seus clichês, estereótipos e falta de profundidade das personagens: o longa polonês é um dos mais populares do Netflix sem ser norte-americano.