2021 me deixou sem palavras.
Mentira. Faz tempo fiquei sem elas. O processo foi ao mesmo tempo lento e repentino. Feito de uma sucessão de repentinidades, se é que existe uma palavra como essa. De acidentes em imprevistos, cheguei a escassez de sentidos suficientes para escrever um texto
Depois de uns tantos anos, o veredito chegou. Sou menos escritor do que fui.
Poderia culpar um ano de pandemia e dizer que ela me deixou desmotivado, mas as palavras já não vinham antes com tanta facilidade. E talvez fosse natural que elas viessem agora, afinal as grandes crises alimentam grandes obras. É, mas elas não vieram, não vem. Estão vindo agora, mas muito mais como um lapso.
Posso talvez responsabilizar a humanidade. Como se constatou nas redes, depois de um ano o vírus evoluiu, a sociedade não. Ora, mas justamente em momentos como esse os maiores escritores emergiram, porque será que não vem um texto sequer em 144 caracteres tão significativo como esse que copiei de um tweet?
Corrijo-me, para o trabalho tenho escrito desde o ano passado, na verdade mais de 5 anos seguidos sem férias, e continuo sem folgas propriamente ditas, aquelas concedidas por mim mesmo em momentos de bonança. Apenas aquelas garantidas pelas pausas de requisições, como essa que recebi depois de uma nova piora da pandemia no Brasil, em particular, mas também no resto do mundo. Devo admitir que até essas estão me faltando, ainda que os prazos e os boletos continuam sendo um ótimo coaching. Continuo entregando palavras por aí, ainda que não sejam aquelas que talvez eu quisesse mais.
Devo admitir que em certo sentido eu abandonei as palavras. Elas são tão repetitivas. Estão em toda a parte se escrevendo, parecem seres vivos, se multiplicam as vezes parecem vírus, como mortos vivos. Difícil encontrar uma palavra viva por aí. Uma palavra que multiplique reflexão, vida, emoção,.
A palavra falada também está se desgastando nas lives por aí, que morrem pouco depois, as vezes já nascendo mortas. Tem tanta gente querendo dizer algo, será que tem tanta gente escutando?
Sim, tem, reconheço. Muitas pessoas ávidas por palavras, vida, futuro.Sou eu que estou cansado com tanta coisa para ser dita, reconheço minha fadiga. Por isso as músicas são o meu subterfúgio. Mas as canções também me cansaram. As palavras com melodia costumam tocar, lembrar, mas mesmo estas tem perdido os sentidos e a capacidade de resgatar as lembranças. É fatigante lembrar um tempo que não volta mais e as palavras que despertam isso são ainda mais dolorosas ou, talvez ainda pior, sem sentido.
Agora, meu refúgio tem sido as músicas que dizem tudo sem palavras, apenas com sua vibração. As músicas sem palavras tem me confortado – as clássicas, jazz, instrumentais, choros, outras tantas. Tenho resgatado um vasto repertório que conheci em minha breve vida e explorado tantas novas para imergir num mundo puramente fenomenológico.
Isto tem me bastado… mentira, novamente. Mas, fato, tem me extasiado nas poucas viagens que tenho feito dentro do interior de mim mesmo nestes momentos difíceis que vivemos.
Parece que as músicas sem ter a pretensão do que dizer, falam o essencial, dizem aquilo que estava dentro de você, ou fora, mas você não quis escutar. Sem palavras, dizem aquilo que precisa – melhor, aquilo que eu preciso.
E talvez essa tenha sido suficiente para voltar a escrever. Não sei se todo dia, sempre, cotidianamente, apenas agora. Basta. Ora, é mais que suficiente. Obrigado à música, aquela que em sendo só notas musicais escreve narrativas dentro de mim.
E para finalizar…
Often a Bird de Wim Mertens