

A Olimpíada finaliza com aquele gosto agridoce. As histórias de superação dos nossos atletas dão lugar novamente às calamidades de sempre que afligem nossa economia, política e justiça. As mesmas, por acaso, que afligiram grande parte dos nossos atletas durante suas trajetórias até se tornarem campeões.
Enquanto, medalhistas americanos e chineses se destacam mais pela performance e quantidade, do que propriamente suas épicas histórias de superação de condições adversas, olhamos para o nosso 12º lugar e perguntamos, será que poderíamos ir além? Certamente, mas antes cabe a pergunta: seria necessário? Minha hipótese é que sim, porque acredito que temos uma vocação esportiva. Mas antes, vou prosseguir a reflexão.
Primeiro, essa obsessão pelos pódios reflete a hierarquia dos países? Em algum momento, sim. Após alemães fracassarem em sua obsessão de provar sua pretensa superioridade física, pouco depois a então União Soviética disputava com Estados Unidos a supremacia dos pódios a partir da valorização e incentivo à prática esportiva. Depois da superioridade racial, a política.
Hoje, porém, o caso parece mais complexo. Enquanto as primeiras posições refletem o poder econômico dos países em certo sentido, alguns outros se destacam mais do que outras potências. A Austrália, por exemplo. Sem o lastro de uma Rússia que conserva sua fábrica de talentos olímpicos, a ilha com seus pouco mais de 25 milhões de habitantes e 13º posição no pib mundial se destaca na quinta posição ultrapassando potências como Alemanha, França e Itália. Em outra ponta, temos a Índia, sexta economia do mundo, lá na 48º colocação com apenas uma medalha de ouro. Podemos citar ainda o Quênia com seus 4 ouros atléticos e dez pódios, um país pobre, ou ainda mais surpreendente, a pequena e também relativamente pobre Jamaica, com os mesmos 4 ouros e 9 pódios com uma população 10 vezes menor.
O que tudo isso significa? Bom, não vou arriscar grandes máximas, mas uma coisa é certa, a vocação esportiva não está diretamente relacionada à riqueza de um país. O incentivo governamental, claro, ajuda muito. Os países que já foram comunistas, além dos poucos que ainda são, comprovam que uma orientação política cria alta performance no esporte. As dez primeiras posições antes do colapso da União Soviética era praticamente todo ocupado por países comunistas. Pouco depois, já em 96, era completamente outro cenário.
Obviamente, esse não é o caso do Brasil. Quando vemos esses atletas singulares, como Rebeca, Isaquias, Ana Marcela, ítalo, Rayssa – a fadinha – e tantos outros que se perdem no hall de superações não reconhecida – caso do Darlan, arremessador de peso que treina em terreno baldio- não temos um Estado que incentiva o esporte. As próprias exceções, em certa medida, confirmam as regras. Se hoje esportes como o vôlei, judô e, mais recentemente, a ginástica artística recebem (algum) incentivo do governo, isso se deu mais por protagonismo de gerações e atletas bem-sucedidos, do que propriamente uma orientação ou planejamento.
Esta vocação esportiva não é trivial, em particular em um ano que, com menos investimentos, obtivemos ainda mais pódios e uma colocação acima do que em casa. Alguns com certeza citarão o caso de Cuba que em termos relativos nos superam. Poderia ainda citar novamente a Jamaica, com seus cerca de 3 milhões de habitantes. Enquanto numa, os corredores se destacam geração após geração, em Cuba o incentivo governamental e fechamento econômico ainda mantem, numa escada descendente, a formação de atleta de alta performance. Não é absolutamente o nosso caso e, em certo sentido, por isso nossa grande oportunidade. Nossos atletas são forjados sobretudo por uma combinação de fatores tão variados que poderiam ser chamados de milagres, caso não fossem tão frequentes. Imaginemos se, em algum momento, houvesse um incentivo? O caso do vôlei mostra que temos muito potencial. Começamos com uma boa geração nascida quase ao acaso nos anos 80 e nos tornamos uma potência, tanto no masculino, quanto no feminino.
Num mundo onde os países cada vez mais buscam se diferenciar, identificar e valorizar essa vocação pode ser um fator decisivo para o nosso futuro como povo e país. Muito mais que histórias de sucesso, que seriam obviamente incríveis de acompanhar, mercados de produtos, serviços e soluções poderiam movimentar inúmeros setores da economia.
Claro que parece uma utopia, mas pensando bem, chegamos tão longe quase que por acaso, será que um pouquinho de planejamento não poderíamos transformar essa vocação em protagonismo?