Há dois tipos de ideias para escrever e dois tipos de escritores para cada uma delas. Uma delas é a ideia Beaujolais. É colhida na hora certa e precisa ser consumida dentro daquele prazo, senão avinagra. Se consumida dentro do seu tempo certo, traz uma sensação jovial e fresca. Por outro lado, porém, o sabor não costuma durar muito mais que alguns dias. Outras são como uma bebida destilada, ou um vinho em carvalho. Precisa amadurecer por anos e anos até criar consistência e maturidade e finalmente desabrochar.
O segundo caso é mais comum a escritores que têm experiências traumáticas ou, ao menos, mais profundas sobre a vida. Uma experiência difícil é sempre uma boa matéria para escrever uma poesia, uma crônica, um conto, ou mesmo um romance inteiro. Antes de tudo, porém, é preciso destilar a ideia para criar o torpor e tirar o amargo do gole. Realçar os outros sabores, assim como um vinho tinto que, com o tempo, vai “embranquecendo” e tomando um aspecto mais ralo sem, no entanto, perder aquela profundidade que lhe é própria. Em outras palavras, criar aquele sabor que reverbera.
O primeiro caso é mais comum em pessoas extrovertidas e com traços mais joviais. São idéias rápidas e geralmente associadas ao bom humor. No mais das vezes, utilizam-se das chamadas “janelas de oportunidades”, informações instantâneas com data marcada para expirar. Também podem fazer textos singelos e “bonitinhos”. Aliás, todo jornalismo é baseado na ideia Beaujolais. Ninguém quer ler um jornal três dias depois que ele saiu e, aliás, com o advento da internet, até o jornal do dia já está atrasado.
Os grandes escritores, de forma geral, extraem seus livros e textos dessas introspecções mais profundas, intelectuais ou emocionais, que acometem estas pessoas e se refletem na escrita. Por isso mesmo, a maior parte dos escritores não é simples pois não consegue viver sem pensar no que está vivendo, nem pensar sobre o que está pensando. Veja bem, pensar já é um exercício bem difícil, imagine tentar conduzir um pensamento através da escrita. Pois é, bem complicado.
Eu oscilo entre os dois lados, tentando me achar muito importante, me deparando apenas comigo mesmo. Mas já provei os Beaujolais. São baratos e momentâneos e costumam conceder momentos de alegria e aventura, são mais afeitos ao sol do que aos barris do envelhecimento. Concedo-me ao luxo de, seguindo o raciocínio de meu amigo Henrique, pensar que algum dia serei um bom escritor de terceira categoria.