Desde que era criança, meu pai viajava para o exterior. Como matemático, ia e vinha da França e outros países para ministrar aulas, congressos e realizar pesquisas. Em uma dessas viagens, contou-me que um amigo seu chamou-lhe entusiasmado para sua casa. Ao chegar, serviu-lhe de um prato sofisticado, um bom vinho e colocou para tocar uma música clássica de grande beleza. Após o silêncio da contemplação inicial e da solenidade, meu pai indagou quem seria o talentoso compositor daquela obra. A resposta foi um tapa na cara: Villa-Lobos.
É consenso que o Brasil se destaca por sua produção musical. Uma das razões é que além de produzir, o brasileiro escuta sua própria música no dia-a-dia, desde tempos remotos. Ainda que atualmente haja um empobrecimento da música – é bom lembrar que isso é um fenômeno mundial e não exclusivo nosso- a segmentação e a diversificação devem continuar mantendo esta paixão. Por outro lado, há uma tendência a ignorar uma fração importante da musicalidade brasileira: a nossa veia erudita. Sim, a produção musical brasileira atual é predominantemente popular, assim como a do mundo inteiro, mas a erudição está na raiz da música brasileira mais do que supomos e a importância desta obra é muito maior do que uma vinheta para a famigerada Hora do Brasil.
Falo isso com conhecimento de causa, escapava-me até dias atrás a extensão da influência do erudito em nossa veia popular. Por isso, foi de extremo valor poder assistir uma produção teatral musical que narrava do início ao fim a história da nossa música. Veja bem, não sou um completo desavisado do causo. Lembro-me de minha falecida mãe levando-me para rodas de choro e dizer emocionada que aquela era a música clássica brasileira. Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth fazem parte do meu cotidiano há pelo menos 20 anos. Mesmo assim, desconhecia a importância de alguns notáveis, tais como Padre José Maurício, Alberto Nepomuceno, Xisto Bahia, e, mais recentemente, Camargo Guarnieri.
O curioso, porém, é que a peça em si não tinha como público-alvo principal a mim, mas aos meus filhos. A peça Operilda Na Orquestra Amazônica tem como principal objetivo promover um passeio da criançada pela origem da nossa música, buscando a sua raiz erudita. A personagem Operilda ganha um livro de presente de sua tia lusitana que conta nossa história musical desde a chegada dos portugueses até os dias atuais. Porém, junto ao livro, Operilda tem um desafio: ler e contar a história para seu público.
O desafio de contar essa história é sem dúvida imenso, e eu temeria por Operilda se o seu sucesso não estivesse devidamente roteirizado, porém creio que a peça se propôs um desafio ainda maior como produção teatral. A atriz contava apenas com si mesma e a eventual interação com os músicos. Fazer um monólogo já é difícil para o público adulto, para os infantes então suponho que a dificuldade seja ainda maior, afinal entre eles não há meio termo. E a atriz Andréa Bassit se sai bem no ato, ponto inclusive para sua interação com dois objetos de cena: livrildo e a carta de sua tia, que criam situações divertidas e complementam a ludicidade do espetáculo.
Porém provavelmente o grande mérito da peça é reunir um naipe de músicos de primeira linha. A “mini-orquestra” de 6 instrumentistas é brilhante e sobressai muito bem durante as amostras dos nossos queridos compositores. Difícil apontar individualmente os méritos de cada um, afinal a atenção ficou dividida entre o enredo e a apreciação das obras musicais como um todo, sobretudo aquelas que eu escutava pela primeira vez. Sendo assim, o melhor é elogiar a direção musical que conseguiu selecionar bem o repertório de cada compositor e arranjá-las para passar a mensagem principal do texto.
O roteiro apesar de um pouco pedagógico, sem dúvida uma opção consciente, tem seus méritos. Consegue traçar uma linha condutora que sugere a identidade da nossa música. Primeiramente através da miscigenação de ritmos, tons e cores, mas, sobretudo pela assimilação e contato com a natureza exuberante de nosso país. Nada mais justo que a orquestra de Operilda ser amazônica, símbolo maior da nossa identidade musical e – por que não? -do imaginário simbólico brasileiro.
Sendo assim, deixe a Hora do Brasil de lado e dê uma chance para a erudição tupiniquim. Você pode se surpreender com o resultado.
Local
TUCARENA
Rua Monte Alegre, 1024 – Perdizes – São Paulo – SP
Telefone:
(11) 4003-1212
Ingresso
R$ 30,00
Temporada
02 de Agosto a 31 de Agosto de 2014
Dias
Sábado e Domingo às 16h
Duração
60 minutos
Faixa etária
A partir de 04 anos
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Agradeço e deixo aqui os nomes de nossos músicos: Elaine Giacomelli (piano), Cassia Maria (percussão), Clara Bastos e Miranda Bartira (contrabaixo), Paula Souza Lima e Paula Eloi (violino), Joca Araújo (clarinete e flauta) e Joyce Peixoto (trombone). A direção musical é do maestro Miguel Briamonte. Direção Geral: Regina Galdino.