O cinema tem uma vantagem incrível sobre a literatura. Há uma diferença óbvia entre a audiência e o leitor: ao primeiro basta sentar na poltrona e relaxar, enquanto o segundo tem que queimar a pestana lendo e interpretando o texto, pintando o cenário. Um filme sempre será mais propenso a ter mais público que um livro, por outro lado, pelo esforço e atenção, o leitor é sempre mais valioso.
Dizem que uma imagem vale por mil palavras. Millor Fernandes retrucou de forma genial: “então tente dizer isto como uma imagem”. No fundo, o escritor estava certo, trata-se de duas linguagens diferentes. Tanto isso é verdade que a literatura mudou, desde a criação do cinema dispensa a tentação de descrever ambientes e cenários de forma detalhada. Um filme consegue fazer isso com apenas uma cena. Já a literatura mergulha cada vez mais no seu lugar de direito, onde ocorre de fato a mágica, os pensamentos. Cada vez mais poética, psicológica, sugestiva e única, ela enfim estabeleceu seu verdadeiro território.
Existe um caminho entre as duas e muitos cineastas decidem por percorrê-lo, porém é um caminho mais sinuoso que parece. A bem da verdade, não existem adaptações no cinema, apenas releituras, reinvenções. O filme que se presta a ser fiel à obra deu um passo rumo ao fracasso. E olha que não sou daqueles que considera que o livro é sempre melhor que a obra. Cito alguns filmes que me agradaram mais que o “original”: O Nome da Rosa, Clube da Luta, O Silêncio dos Inocentes. E o incrível é que os livros são muito bons, algo até meio óbvio, se fossem ruins sem dúvida não seriam nem adaptados, mas os diretores conseguiram este feito, interpretar a obra para além do original.
Estive na Mesa 5 do Paulicéia Literária, evento organizado pela AASP, que reuniu em debates e entrevistas alguns nomes da literatura brasileira e mundial. Presenciei uma conversa entre Richard Skinner e Philippe Claudel sobre literatura e cinema. A primeira conclusão que tirei ao acompanhar Claudel foi que meu inglês é melhor do que me parecia. A segunda é que Claudel é um caso fantástico de escritor e diretor de cinema. Talvez existam outros, não estou recordado no momento, mas o francês multifacetado conseguiu construir narrativas nas duas searas, e ficar conhecido em ambas, algo que como escritor e roteirista me dá uma baita inveja.
Devo admitir que só conhecia Philippe de nome, possivelmente do meu tempo de vendedor de livros. Além de um insight ou outro, assistir ao bate papo confirmou algumas conclusões que sempre tive a respeito desta relação entre literatura e cinema, muitas delas expostas no início do texto. Além disto, me instigou a conhecer a obra do dito cujo. Descobri, por exemplo, que ele talvez seja um dos poucos entre seus conterrâneos que prezam mais a cena que o diálogo. E que Woody Allen talvez seja um dos melhores cineastas francês.
Porém creio que o mais me chamou a atenção foi algo minucioso. O autor disse que o Claudel diretor nunca quis, ou se atreveu, a adaptar o Claudel escritor, por um motivo talvez mais óbvio que pareça a primeira vista: o diretor de cinema teria que editar seu livro em cenas que fatalmente cortaria passagens, personagens, pensamentos, paisagens. Em outras palavras, Claudel tornou-se ambos por saber exatamente o que cada uma tem a oferecer de incrível e particular. E enquanto ainda houver leitores, a literatura ainda terá seu lugar.
Bogado Lins