Caminhar pelo centro de São Paulo pode te agendar visões inesperadas. O ir, vir e estar de pessoas de todos os tipos frequentemente rende encontros fortuitos, e outros nem tanto, é verdade, mas em geral o saldo é positivo.
Pois em uma destas visitas ao acaso, ou por qualquer afazer típico do Centro, pude conhecer o casal Ludwig, ou mais precisamente,parte do seu legado. Tudo pela belíssima exposição sediada no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo. O curioso é que a mostra exibe obras das mais variadas, muitos famosos e disseminados ao grande público, mas outros também menos conhecidos. E o que nomes como Picasso, Roy Lichenstein, Andy Warhol, Anselm Kiefer, Joseph Beuys, Jean –Michel Basquiat, dentre tantos outros, tem em comum? O casal Ludwig, colecionadores que durante anos adquiriram obras de artistas dos mais inusitados e variados possíveis.
Aliás, as obras destes artistas menos conhecidos, do qual me incluo, são sem dúvida o grande chamariz. A arte, desde Duchamp, foi forçada a ocupar geografias inexplorada, ao mesmo tempo que de alguma forma precisava entregar alguma expressão de beleza ou conceito , e a exposição cobre esta demanda muito bem. Pavlos, por exemplo, exibia um belo quadro que confeccionou apenas cortando cartazes, distribuindo o material no quadro de modo que parecia um grande guarda-roupa. Uma bela referência para cenógrafos e arquitetos.
Outro exemplo é a consagrada Pop art, no momento uma “descoberta” de Ludwig. No contexto europeu , provavelmente o casal tem sua participação na aceitação mundial do fenômeno.O retrato de Andy Warhol do alemão se assemelha a uma composição publicitária, onde a sua foto é disposta com cores, assemelhando-se a uma apresentação de um logo. Próximo a Andy, temos as máscaras, vultos e figuras da paisagem entre o Haiti e Nova York que Basquiat instaurou nas ruas da cidade cosmopolita.
A exposição também tem seus méritos de curadoria. Um deles são os belos corredores de fotos de músicos, cientistas, escritores, figuras políticas e artistas dos mais variados com algumas das expressões que os consagraram mundialmente, como a de Madre Teresa, com seu olhar infinito e seu rosto carcomido de bondade. Pois bem, as fotos curiosamente são pinturas de reproduções de fotos. Serão fotos? Pergunte a Gerhard Richter.
A Madonna de Claudio Bravo é outro exemplo deste hiperrealismo da coleção.O quadro simbólico apresenta uma senhora diante de um bebê em uma paisagem deserta com construções que se confundem com a areia. Duas mulheres à esquerda fazem oferendas anatômicas, enquanto um dos homens à direita o reverencia, enquanto o outro tem uma flecha atravessada e as mãos amarradas.
O escritor tem suas predileções. Gostaria de ressaltar duas obras das tantas na exposição com as quais me afeiçoei mais. Perdoe o fato de não ter encontrado o nome dos autores. A primeira, uma série de pinturas em cima de um livro aberto. Cada “tela” apresentava um cenário diferente, como que um mergulho do artista na paisagem literária, simulando a transição entre uma página e outra.
A segunda, esta por si só absorveu-me por alguns minutos, uma pintura que a artista, creio que era uma mulher, retratava uma praça bucólica de alguma cidade. Estátuas eram distribuídas em meio a árvores, homens e mulheres, que iam e vinham. Um detalhe porém chamou a atenção na paisagem cinza e triste da pintora. As estátuas eram tão expressivas que se destacavam entre os visitantes do parque. Na verdade, os monumentos eram os verdadeiros habitantes do parque, enquanto os transeuntes, apenas uma pálida figura passageira.
Quem sabe seja uma tentativa da pintora de estabelecer, ou ao menos destacar, a alma própria que a arte atinge depois que ela ganha sua assinatura final e se insere na geografia humana, seja num parque, numa exposição ou em uma coleção particular qualquer de alguém que enxerga algo além na obra ou quiçá no artista?
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana