Caminho desenhando uma curva que sai da porta giratória em direção ao Caixa Eletrônico. No meio desse trajeto, o Gerente, sentado na sua escrivaninha falando ao telefone, me acena com a mão. O Banco está relativamente cheio, daqui a pouco a fila do caixa e o nervosismo das pessoas vão aumentar na mesma proporção. Este espaço chamado Instituição Bancária não é dos mais interessantes para se freqüentar.
O Gerente faz um sinal para que eu sente. Mantenho-me de pé. Na verdade, tem uma pessoa à minha frente. Um senhor de seus 55 anos, de terno e gravata, parece que veio pedir um empréstimo e está nervoso, aguardando a confirmação. O Gerente desliga o telefone, pede para que eu espere e olha para o senhor. Falam algo sobre baixar o dinheiro de uma conta para a outra, numa linguagem quase cifrada de quem conclui uma conversa em que as informações principais já foram ditas. Faço um esforço para entender motivações, desejos, mas não importa. As mãos dos dois se encontram e o Senhor vai embora sem dizer até logo. O Gerente insiste para que eu sente, tenta ser afetuoso comigo, mas não me convence muito. Eu sento. Ele me mostra um folheto publicitário e vai dizendo que ali tem tudo muito bem explicado, com percentuais de ganhos, fundos, saldos, seguros, carências, essas coisas. Eu olho sem ver, pensando o que é mesmo que eu vim fazer ali.
Quando me volto para o Gerente, minha atenção se concentra no prendedor dourado da gravata, observo sua forma, parece um escaravelho. Na verdade, acho o adorno muito feio, nada condizente com um cara jovem como o meu Gerente. O mau humor me sobe à cabeça, afasto o rosto num ângulo exagerado e percorro a profundidade do salão. Na fila do caixa cheia de office-boys, uma mulher jovem, com uma tintura esquisita no cabelo, ruiva, quase abóbora, agarra sua sacola de um jeito estranho, com as duas mãos levando próximas ao peito como se tivesse algo muito precioso ali. Logo atrás uma senhora morena, de meia idade, com um sinal gigante na face, quase um duplo nariz. Imagino que essa agência poderia ser um circo e a idéia me diverte por alguns momentos.
O Gerente está empolgado, acho que percebe a minha falta de atenção, mas se esforça para vencer o desafio. Agora ele fala com as gengivas, enfatiza cada sílaba, querendo me chamar de volta ao seu mundo de cifras e percentagens. A Loira da Sacola chegou ao caixa. Ela retira um envelope lá de dentro e passa ao funcionário. O atendimento é rápido. A dos Dois Narizes , logo atrás, responde o meu olhar como um desafio. O Gerente risca o folheto, assinalando com uma caneta preta valores que eu não entendo. Eu balanço a cabeça como se estivesse compreendendo tudo. Retorno o rosto para a Mulher dos Dois Narizes, que continua respondendo fixo ao meu olhar. Na frente dela, a Ruiva da Sacola. Muito bonita, apesar da estranheza. Gostaria que ela me visse também, mas ela está muito voltada para a sua bolsa. Será um depósito ou uma retirada?
Procuro ver a ação dessa mulher, se é coerente com o que venho imaginando dela. Mas o que eu venho imaginando dela? Não entendo porque ela sorri para o caixa. Eles trocam meia dúzia de palavras aparentemente amáveis. Uma cordialidade sutil rola entre os dois. Isso me incomoda. Faço uma pergunta estúpida para o Gerente. Ele responde e repete a resposta, quase cantando, para não deixar dúvidas sobre a importância do assunto. Eu faço de conta que entendo, mas como sempre, sem convencer. Ele está realmente decepcionado, não sei se comigo ou com a baixa performance dele. Faz uma careta estranha, espera por uma resposta, consulta o relógio.
Agora a Mulher dos Dois Narizes está no caixa. Volto o olhar para procurar a Ruiva da Sacola, giro o rosto para um lado e para outro. Tento calcular o tempo perdido no último diálogo com o Gerente. Acho que foram uns 30 segundos, ela deve ter conseguido chegar na porta giratória. Volto ao Gerente que responde a pergunta de um colega. Já perdi há muito tempo a atenção dele, mas ao menos ele nunca teve a minha. Empate na casa do adversário é vitória.
Quando eu começo a levantar sinto um forte desconforto: a Mulher dos dois Narizes se aproxima para falar com o Gerente e o seu olhar, como um raio, encontra o meu.
João Knijnik é escritor, roteirista e Professor de História do Cinema