E se de repente você ficasse cego? Isso mesmo, você leitor, do nada, um piscar de olhos, e nada, só a escuridão? É difícil imaginar? Feche os olhos. Vamos, feche só por uns instantes… Ok, não há como fechar os olhos e ler este texto, ao menos, não dessa forma. Não, não se trata de um texto sobre Ensaio sobre a cegueira de José Saramago, nem sobre o filme Dançando no escuro de Lars Von Trier.
Será que somos privilegiados pelo sentido da visão ou somos escravos dele? Quanto somos dependentes? Talvez sejamos deficientes táteis, olfativos, auditivos… Será que aquilo que comemos teria o mesmo sabor se não víssemos? Não dá para imaginar isso sem ficar com medo. Aliás vencer esse medo e mergulhar na escuridão é de trata este texto.
A exposição Diálogos no escuro, lançada na Alemanha em 1989, chegou ao Brasil e está em cartaz no Centro de Cultura Judaica, porém “exposição” ou “cartaz” não são as palavras certas, não encaixam bem. Talvez experiência, mas é mais que isso. É uma vivência! É colocar-se no lugar do outro. Mais ainda, é enxergar com o ponto de vista do outro, ou, melhor dizendo, não enxergar. Essa é a maravilha: sentir na pele e diante dos olhos a escuridão, como é a vida de um deficiente visual. Por 45 minutos, podemos realizar a cegueira, a vida de quem dorme e acorda na escuridão.
É difícil, é uma experiência tocante, vencer o “medo do escuro” é complicado, há pessoas que refugam, que se descontrolam. Quem vence os instantes iniciais certamente passa por uma transformação: “ver como cego”. Diálogos no escuro é uma experiência dialética consigo mesmo, não é simplesmente visitar uma instalação em um museu. É sentir uma instalação durante uma visita a um museu, degusta-la com todos os sentidos exceto a visão. Perder o senso espacial, guiar-se pelo toque, seguir o som, provar um gosto diferente e vislumbrar a escuridão com alegria. É desmitificar a visão e viver, além dela.
Descobrir como somos frágeis, deficientes em todos os sentidos e dependentes principalmente da visão. Como se passássemos a entender a fala da personagem de Bjork, Selma, no filme Dançando no escuro, quando diz: “Eu já vi tudo, eu já vi até a escuridão”. É descer o degrau dos olhos que veem e enxergar de peito aberto com um cego. Sim, quem guia o passeio são pessoas “ditas” deficientes visuais que não nos fazem sentir diminuídos por se deslocarem com mais desenvoltura na escuridão, ao contrário, fazem com que nós nos embrenhemos no nosso momento dialético de se colocar na lugar do outro, de ser outro em si mesmo.
É rever uma frase e ela tomar outra dimensão: “Caminhar com um amigo no escuro é melhor que sozinho na claridade” – cunhou Helen Keller.