Nana neném / que a cuca vem pegar / papai foi pra roça / mamãe foi passear
Aqui na minha casa desde que o isolamento físico começou para nós em 18 de março, a realidade se transformou. Os papéis também fugiram ao padrão tradicional como na canção de ninar. Até aí nada demais. Porém, nas últimas semanas, ocorreram alguns fatos curiosos…
Estava naquela tarefa sossegada de jornada múltipla enquanto meus filhos brincavam – finalmente brincavam juntos… – de casinha em que eles simulavam uma vida de casal. Me mostraram, no quarto que dividem, como eles simulavam e dispunham os “cômodos” da casa, quais bonecos eram os filhos, seus nomes, os que haviam feito “coisa errada” e estavam de castigo, os que iam para a escola, os que estavam doentes, todos aqueles trâmites necessários a uma boa brincadeira de casinha.
Ok, e daí?
Enquanto se atropelavam e se corrigiam um ao outro para me deixar a par de todos os detalhes, minha filha de 4 anos sacou uma sacola e disse com aquele ar de “é, fazer o quê…” que teria que ir trabalhar, só que agora fora de casa. Nisso meu filho de 2 anos, interrompeu para me mostrar todo orgulhoso que ela já havia trabalhado no computador e apontou para duas almofadinhas retangulares dispostas como um laptop, além de afirmar sorridente sobre ser a vez dele trabalhar em casa no computador e já foi sentando diante da “tela” como se digitasse. Tanto brinquedo pronto, legal, caro, e a imaginação vence tudo!
Foi bonitinho!
Mas ah os casais, a vida conjugal…
Minha filha, a esposa, brigou com ele, cobrando que ele precisava dar os remédios para um, não deixar não sei quem fazer “coisa errada” porque ele sempre fazia, guardar as comidas e panelas, arrumar a casa, e foi assim lançando uma série de tarefas ao que ele só acatava, eventualmente explicava algo no contexto da brincadeira, ele disse que ia preparar a comida, pôr a mesa, lavar a louça – tudo numa tacada só!…
Aí minha cabeça deu aquele click!
Que da hora! Os papéis estavam trocados! (Eu sei, é uma expressão ingrata, pressupõe funções estabelecidas ligadas ao sexo biológico de cada integrante do casal heterossexual e fortemente determinadas por uma sociedade machista e fundada no patriarcado antiquado – sem dúvida – mas a graça é essa! Claro, entendendo que ainda é predominante em vários meios o padrão de comportamento social de mulheres ligado ao lar, à criação de filhos e frequentemente à vida profissional, muitas vezes sem a figura masculina.)
No entanto, a revolução aconteceu! Meus filhos são uma consolidação familiar da revolução feminista. E de maneira natural. Ao reproduzir aquilo que têm vivenciado há quase quatro meses em seu lar: o homem do casal, no caso eu, papai, é quem cuida das tarefas domésticas em grande medida (porque fazer comida é meu calcanhar de Aquiles!), enquanto a mulher, a mamãe deles – por ser da área da saúde – é quem sai para trabalhar fora de casa. Quase todo santo dia. (Outra expressão ingrata, deixa pra lá…)
Não sei no que vai dar e quanto essa vivência pode de fato consolidar a indeterminação dos “tradicionais papéis sociais de homens e mulheres” no futuro de minhas crianças. Até porque espero poder voltar a sair de casa nem que seja para trabalhar e que eles voltem à escola – o que significa, de algum modo, retornar ao assédio comportamental que a sociedade impinge sobre cada indivíduo de diversas formas, às vezes mais sutis, outras, mais contundentes, e em variados contextos.
E o melhor de tudo: não havia desconforto entre eles em relação aos papéis que desempenhavam na brincadeira, afinal é o normal! Se ela aprender que não precisa ser “recatada do lar” e ele que não deve ser indiferente aos afazeres domésticos de um lar, muito menos um troglodita insensível, seremos vencedores!
“Assim caminha a humanidade!”
Paulo Roberto Laubé
5 Comentários. Deixe novo
Amo minha família! Espero continuarmos dando o melhor exemplo a eles, sem preconceitos. 😊
O seu texto nós dá uma amostra de que quando nós damos o exemplo, esse fica registrado, nossos filhos aprendem nos observando diariamente. Nossos atos, palavras modo de agir eles vão assimilando, daí conclui se que os valores e a educação são em casa que se aprende.
Olá, Elza, tentamos acertar sempre e espero dar os melhores exemplos, sabendo que erramos algumas vezes. Espero no balanço geral, conseguir formar duas boas pessoas!
Estou muito orgulhosa de ter criado um filho, hoje pai, capaz de realmente vivenciar e ensinar que homens e mulheres são seres humanos únicos e complementares entre si. Meu amor e meu respeito sempre.
Valeu, Mãe!!! Bjl