Que criança não gosta de ir à casa dos avós? Creio que, excluindo as situações absurdas de algum abuso ou violência, todas gostam: é o bolinho, a brincadeira, a sobremesa antes da refeição, o tudo pode… Mas aí vem uma pandemia e ninguém sabe exatamente o que pode ser feito, quem está contaminado quem não está, as escolas fecham, algumas pessoas deixam de ir trabalhar, qualquer tipo de contato com o outro passa a ser um temor e as crianças são um risco para os avós.
Além de tudo isso, minhas crianças são filhas de uma profissional da saúde atuando no covil da covid! Para elas, a mamãe é uma heroína que – diferente do papai que está trabalhando de casa, o que nem sempre é muito bem compreendido por elas – ajuda a salvar as pessoas do vírus lá no HC. Essa a grande questão: uma doença nova, poucas e desencontradas informações, profissionais de saúde são os mais afetados, crianças são assintomáticas transmissoras…
Isolamento!
Foi assim em março, continuou em abril, maio e em junho já estava difícil manter a sanidade deste pai que escreve e seus dois filhos enclausurados por tanto tempo. Por outro lado a mãe heroína provou que é possível não se contaminar, claro, tomando inúmeras medidas sanitárias tanto no ambiente de trabalho como no voltar para casa. E já na virada de maio para junho, o próprio governador de São Paulo cedeu às pressões e mudou o discurso ao anunciar a reabertura gradual de setores da economia.
Mesmo com muitos protocolos sanitários, evitar o contato físico continua sendo a principal medida, contudo dar uma voltinha de carro poderia ser um alívio para o confinamento. Só faltou avisar a bateria do carro… Mais essa! Foram várias chupetas para uma ou outra voltinha. Não teve jeito, teve de ser trocada.
E não há videochamada que mate a saudade dos avós! De ambas as partes.
Foi então que após conversas e discussões entre o pai aqui e a mãe heroína, vivenciamos as visitas mais esquisitas da covid-19: ir ver os avós e não trocar um abraço apertado mesmo depois de meses, não ganhar nem um beijo na testa, não poder tirar as máscaras para estampar o sorriso que o momento pede, e no lugar em que quase tudo pode havia um monte de “não-pode”: não pode abraçar, não pode dar a mão, não pode tirar a máscara, não pode passar da porta, não pode levar as mãos ao rosto, não pode isso, não pode aquilo, uma lista incompatível com casa de vó.
Primeiro foram as visitas drive-thru: parar o carro na porta e sem sair ou abrir a porta matar um pouco a saudade, dar um tchauzinho, tentar manter uma saudável conversa e ao mesmo tempo conter a emoção, a necessidade do abraço caloroso. Depois vieram as visitas vitrine. Como meus sogros moram em casa com garagem na frente, levamos as crianças para passar um tempo brincando, correndo, gastando a energia acumulada na garagem enquanto avós e a tia que mora com eles permaneciam do lado de dentro da casa acompanhando a bagunça pelo vidro da janela. Foi um misto de sensações: até dá para matar a saudade, mas não plenamente. Houve interação, só que velada pelo gelado vidro, ou pelas telas de celulares registrando o momento de um e de outro lado da muralha quase invisível. E talvez as crianças eram quem estava menos perdido naquela situação.
É estranho aceitar e se acostumar que a maior prova de carinho é não dar carinho, principalmente entre avós e netos. Que um ínfimo vírus pode se tornar uma muralha quase intransponível entre pessoas queridas. Como saber se estamos assintomáticos, se de repente por mais protocolos que se siga não houve um furo, um descuido e nos contaminamos? Como encarar a possibilidade de ser responsável por colocar entes queridos em risco de morte? Pela idade, vovôs e vovós já são mais vulneráveis, com comorbidades então é ainda pior.
E assim avançamos para agosto, talvez com mais desgosto que outros, deste ano inusitado, certamente com mais incertezas que qualquer outro ano, e com mais experiências inusitadas.
2 Comentários. Deixe novo
Que texto incrível!
Foi preciso nas palavras.
Como precisamos da interação, do contato, do toque e do olho no olho. Ao vivo!
Nada substitui isso.
Está sendo bem difícil principalmente para nossos filhos que estão recebendo um mundo zuado e vão ter que viver nele.
Afeto, amor, arte e saúde são tudo do que precisamos.
O contato que tanto faz por nós tanto faz falta… e as crianças nem sempre conseguem verbalizar, racionalizar o que sentem, é difícil, é preciso ficar atento.